quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

O Lado Sombrio da Inovação

Prezados
Joseph Alois Schumpeter (1883-1950), o teórico da "Destruição Criativa", foi um dos maiores economistas do século XX e ficou famoso por sua elaborada teoria, que reconhece o empreendedor e a inovação como elementos que sustentam o sistema capitalista e o sujeitam a ciclos de crescimento e implosão. Na década de 1980, os economistas evolucionários neoschumpeterianos resgataram as ideias de Schumpeter sobre a inovação e a partir daí foi um oba-oba generalizado, que vem aprofundando as confusões conceituais sobre diferentes tipos de inovação e como elas interagem com as tecnologias resultantes.
Noutro dia, minha sobrinha me disse que a amiga dela é “totalmente disruptiva” e eu até agora não sei se isso é bom ou ruim.
Em contraposição a esse brado generalizado na imprensa popular, e mesmo na academiade que “inovar é primordial”, o periódico acadêmico Industry and Innovation está com uma Call for Papers para uma edição especial sobre “The Dark Side of Innovation”, cujo prazo para envio foi estendido para 6 de janeiro de 2019 (para ver o texto completo e as referências, clique aqui)
 A ideia central é desmistificar o discurso fácil de euforia de que a inovação é sempre boa e por isso se apresenta como um caminho infalível. A verdade é que a inovação é inerentemente incerta e algumas inovações podem mesmo impor custos imprevisíveis à empresa, à sociedade e, até mesmo, ao meio-ambiente e que alguns aspectos normalmente ignorados nas análises sobre inovação, tais como a necessidade de uma abordagem mais cautelosa (princípio da precaução), mais ética e mesmo a influencia do poder lobista das grandes empresas, precisam ser considerados.
O Call for papers destaca que o excesso de entusiasmo por novas tecnologias costuma negligenciar seus efeitos de longo prazo. Um exemplo apresentado diz respeito aos carros elétricos, uma inovação praticamente consensual nos dias de hoje, mas cujos custos ambientais das baterias, decorrentes da mineração necessária e de seu descarte após o uso, raramente são citados.
Ainda de acordo com o Call for papers, o desenvolvimento tecnológico, além de reforçar alguns problemas atuais bem conhecidos, pode assumir novas formas, como mais poluição, mais lixo eletrônico ou, até mesmo, algoritmos de IA que perpetuam o racismo e atitudes de discriminação fundamentadas no gênero. Outras conseqüências negativas das inovações citadas são a mudança climática, a desigualdade (econômica), o desemprego tecnológico e a chamada hipercompetição, que leva ao estresse dos funcionários e consequentemente de nós todos, além de problemas ainda inexplicáveis, ​​que são cada vez mais importantes nas sociedades industrializadas, como aumento dos casos de asma, aumento das anafilaxias (reações alérgicas graves, possivelmente fatais) e a diminuição secular na contagem de espermatozoides masculinos,  por exemplo.  
São citados ainda alguns efeitos negativos que parecem mais específicos das novas tecnologias e à forma como as economias (e as sociedades) vêm se transformando: a segurança cibernética, as notícias falsas, a erosão da privacidade, o excesso de monitoramento do governo e o declínio da democracia são novas ameaças trazidas pela revolução digital, bem como efeitos de rede, monopólios digitais (por exemplo, Google e Facebook), problemas causados ​​por um sistema de patentes defeituoso e falta de concorrência nos mercados globais, que podem sufocar a Destruição Criativa. 
No entanto, como bem alerta o Call for papers, as novas tecnologias não são apenas digitais. Novos aditivos artificiais, hormônios e nanotecnologias nas indústrias de alimentos e saúde são apenas os exemplos mais visíveis de outras indústrias, com possíveis efeitos colaterais prejudiciais não intencionais.   
Essas verdades inconvenientes precisam ser abordadas de frente. Reconhecer que a inovação pode vir com riscos associados e conseqüências não intencionais é um passo necessário para uma abordagem mais responsável, afirma o Call for papers.
Assim, esta edição temática deverá alertar para os perigos potenciais, para reconhecer os efeitos nocivos da inovação e para esclarecer as circunstâncias em que a inovação pode ser benéfica ou prejudicial para a sociedade.   
Forte abraço

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

A Indústria 4.0 é pós-industrial

Prezados

Em 1876, William Orten era o presidente da Western Union, empresa que detinha o monopólio da mais avançada tecnologia de comunicações disponível, o telégrafo. Orten recebeu a oferta da patente de uma nova invenção − um tal de Alexander Graham Bell havia desenvolvido uma maneira de transmitir voz por um fio. Naquele momento, tratava-se apenas da invenção de um completo desconhecido.

Pois bem, como se sabe, a invenção de Graham Bell mais tarde viria a se constituir em uma inovação tecnológica, gerando não só um artefato tecnológico − o aparelho telefônico − mas, principalmente, uma nova tecnologia de comunicações  − a comunicação telefônica.

Em resumo, a patente inicial do telefone foi oferecida por US $ 100.000 da época (cerca de US $ 2 milhões em dólares atuais) à Western Union. Conta a história que, naquele momento, Orten, a luz de tudo que sabia, considerou a ideia ridícula, e escreveu diretamente para Alexander Graham Bell, dizendo: "Após cuidadosa consideração de sua invenção, embora seja uma novidade muito interessante, chegamos à conclusão de que ela não tem possibilidades comerciais ... Que uso poderia esta empresa fazer de um brinquedo elétrico? "

Conta ainda a história que a empresa fundada por Bell − diante da recusa de Orten, a Bell Company, que mais tarde viria a se transformar na AT&T − a partir de uma série de inovações técnicas e de modelos de negócios, que se auto alimentaram,  sustentadas portanto, conseguiu cada vez mais novos clientes, explorando todo seu potencial de crescimento em rede, depois de estabelecer uma tímida posição inicial de comunicações ponto a ponto. Mais do que um produto, o telefone se firmou como uma tecnologia de comunicações e alavancou, e ainda vem alavancando, novos produtos, novos processos, novos serviços, novos modelos de negócios, novos comportamentos, novas formas de pensar e muitos deles, como bem se sabe, nada mais tem a ver com a ideia original do telefone em si.

Aqui, é importante se começar a perceber que há diferenças fundamentais entre invenção, inovação incremental, inovação radical, inovação disruptiva (o telefone foi disruptivo para a Western Union)  e as tecnologias emergentes. Só uma correta conceituação destes processos que são recursivos (A implica B que amplifica A) permite uma teorização capaz de ajudar a entender o que é esta tal de Indústria 4.0, que tanto sofre com as confusões conceituais entre inovações e tecnologias. E isto tem muito a ver com Gestão do Conhecimento Organizacional. Não com a discussão rasa sobre como gerir o conhecimento das pessoas na empresa, mas com meta discussões sobre como gerir a inovação e o conhecimento das empresas e de outros tipos de arranjos organizacionais na sociedade pós-industrial, com fortes implicações nas estratégias empresariais e nas Políticas Públicas. Pode parecer estranho, mas a Indústria 4.0 não é um novo tipo de indústria: ela é pós-industrial.

Forte abraço

Fernando Goldman

Fontes:

Andersen, E. It Seemed Like A Good Idea At The Time: 7 Of The Worst Business Decisions Ever Made. Disponível em https://www.forbes.com/sites/erikaandersen/2013/10/04/it-seemed-like-a-good-idea-at-the-time-7-of-the-worst-business-decisions-ever-made/#2e4fa303e803. Acesso em 29.jun.2018.

Christensen, Clayton M; Anthony, Scott D.; Roth, Erick A. Seeing what´s next – Using the theories of disruptive innovation to predict industry change. Harvard Business School
Press. 2004.

domingo, 12 de agosto de 2018

Indústria 4.0 e Manufatura Avançada

Prezados

As expressões Indústria 4.0 e Manufatura Avançada vêm sendo muito usadas na Internet, mas como é comum acontecer há mais oba-oba do que a percepção de que se está falando de uma maneira totalmente nova de pensar a indústria. Uma revolução. Ou, como preferem os alemães, uma nova etapa da revolução industrial. O texto do link, além de bem escrito, traz informações confiáveis e por isso eu o recomendo:



quinta-feira, 1 de março de 2018

A Economia do futuro será baseada no conhecimento ou baseada em humanidades?


Em sua Newsletter do mês de fevereiro/2018, David Gurteen* nos pergunta se “a economia do futuro será uma Economia do Conhecimento ou uma Economia Humana”.

Segundo ele, existe uma opinião bastante difundida de que a Economia do Conhecimento não existiria, ou que seria um mito, ou que talvez devesse ser chamada apenas de informação, ou Economia Digital. Afirma ele ainda que as pessoas também estão falando cada vez mais sobre a “Economia Humana” ou sobre a “Economia do Cuidado”.

Gurteen afirma ainda que pessoalmente prefere pensar em termos da Economia Humana - como sendo mais ampla do que apenas cuidar e diz que o conceito é relativamente fácil de entender. À medida que a tecnologia se desenvolve, especialmente a Inteligência Artificial, haverá cada vez menos empregos tradicionais, porque as máquinas vão levá-los e nós já podemos ver o impacto disso.

 Os trabalhos que sobrarão serão os "humanos" - os empregos que somente os seres humanos podem fazer - os "trabalhos que demandam carinho" - os empregos que exigem calor humano, toque e empatia. Por exemplo: enfermagem, cuidados de saúde, educação, etc. e, claro, outros trabalhos que apenas os humanos podem fazer, como entretenimento, artes e esporte.

Para Gurteen, estes serão os únicos empregos disponíveis para a grande maioria dos "jovens", com ou sem habilidades ou um diploma universitário. Claro que haverá ainda uma Economia do Conhecimento, mas será para poucos – apenas as pessoas que programam e cuidam dos computadores e da infra-estrutura digital.

E você? Acredita que a Economia do futuro será baseada no conhecimento ou baseada em humanidades?

* A Gurteen Knowledge-Letter é uma newsletter gratuita, publicada mensalmente por David Gurteen, sobre Gestão do Conhecimento, sendo enviada por e-mail, para os chamados trabalhadores do conhecimento registrados. O objetivo é ajudá-los a melhor gerenciar seus conhecimentos, estimulando o pensamento e o interesse em assuntos como Gestão do Conhecimento, Aprendizagem, Criatividade e o uso efetivo da tecnologia da Internet. As cópias dos textos publicados são mantidas on-line no link abaixo, onde você pode se registrar para passar a receber a newsletter.



segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

The Invisible Hook (8ª parte): Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado

Esta tradução faz parte do meu projeto pessoal de antropofagia* de boas ideias escritas originalmente em inglês. Enquanto os periódicos acadêmicos nacionais se dedicam à publicação de textos inéditos de autores nacionais, há uma lacuna na formação de nossos estudantes de graduação que, em sua maioria, não dominam a leitura de textos especializados em inglês e ficam assim sem acesso a ideias seminais. Claro que ideal seria ensinar inglês a todos nossos estudantes, mas a realidade é que não temos tido sucesso nem mesmo em ensinar o português. Esta tradução foi autorizada diretamente pelo autor do texto original para publicação neste Blog. Críticas, comentários e sugestões sobre a tradução serão bem-vindos.

* Conheça o Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, 1928, em https://pib.socioambiental.org/files/manifesto_antropofago.pdf
Devido às limitações do Blog, a tradução será publicada em partes.
The Invisible Hook: Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado (8ª parte)
Os bandos de piratas são radicalmente democráticos e igualitários: Hayek e o imperativo evolucionário.

Tradução: Fernando Luiz Goldman
Clique aqui e leia a 7ª parte


Aqui está um exemplo que Leeson fornece de uma regulamentação governamental que deu errado (p. 187):
Considere, por exemplo, o ato de americanos com deficiência (ADA). O governo dos EUA criou a ADA em 1990 para evitar que os empregadores discriminassem os trabalhadores com deficiência. A ADA procura fazê-lo proibindo a "rescisão injustificada" de funcionários com deficiência, além de introduzir uma série de outros mandatos. Sob a ADA, um trabalhador incapacitado que acredita que seu empregador o demitiu ou de qualquer outra forma discriminado por causa de sua deficiência pode processar seu empregador. A intenção desta legislação é aumentar o emprego dos deficientes americanos. Esse é certamente um objetivo nobre. Mas o resultado desta legislação foi exatamente o oposto de sua intenção. O efeito real da ADA foi ignóbil de fato. Em um estudo de 2001 sobre os efeitos da ADA sobre o emprego de pessoas com deficiência, os economistas do MIT, Daron Acemoglu e Joshua Angrist, descobriram que a ADA reduziu significativamente o número de cidadãos com deficiência que os empregadores americanos contrataram. Na linguagem dos economistas, a ADA cria "consequências perversas e não intencionais". As regras da ADA aumentam o custo da contratação de trabalhadores com deficiência. Se tal trabalhador se mostrar menos diligente ou produtivo, por exemplo, mesmo por razões totalmente incompatíveis com sua deficiência, a ADA torna mais difícil demiti-lo. Assim, os empregadores simplesmente evitam a contratação de trabalhadores com deficiência em primeiro lugar.
Peter Boetke, um dos organizadores do seminário e participantes, documentou outro exemplo em que o financiamento federal para os departamentos de polícia contribuiu para a sua militarização e prejudicou o tipo de parcerias entre a polícia e os bairros que seria muito melhor para todos[1].
Esses exemplos me parecem corretos e sem dúvida há muitos mais. Claro, também há exemplos de programas governamentais que funcionam e a economista Mariana Mazzucato fez um caso especialmente forte para o papel positivo do Estado na promoção do empreendedorismo[2]. O principal ponto a seguir é que "consequências perversas não intencionais" não se limitam a programas governamentais. É provável que ocorram para qualquer nova ação que seja introduzida em um sistema social complexo, seja pelo governo, setor privado ou qualquer outro setor. Conhecer isso exige uma abordagem cautelosa e experimental da formulação e implementação de políticas públicas, conforme articulado por David Colander (outro participante do seminário) e Roland Kupers em seu livro Complexidade e arte de políticas públicas[3]. Essa abordagem pode ser considerada como uma forma de seleção de grupos culturais gerenciados e o cumprimento do paradigma econômico que pioneiro de Hayek. Ligue-o "liberalismo sofisticado" ou qualquer outra coisa que você gosta. É a única maneira de fazer o mundo trabalhar de forma cooperativa como a tripulação de um navio pirata.

Publicado originalmente em 21 de dezembro de 2017



[1] Boettke, P. J., Lemke, J. S., & Palagashvili, L. (2016). Re-evaluating community policing in a polycentric system. Journal of Institutional Economics, 12(2), 305–325. https://doi.org/10.1017/S174413741500034X
[2] Mazzucato, M. (2015). The Entrepreneurial State. Public Affairs.
[3] Colander, D., & Kupers, R. (2014). Complexity and the Art of Public Policy: Solving Society’s Problems from the Bottom Up. Princeton NJ: Princeton Univesity Press.

The Invisible Hook (7ª parte): Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado

Esta tradução faz parte do meu projeto pessoal de antropofagia* de boas ideias escritas originalmente em inglês. Enquanto os periódicos acadêmicos nacionais se dedicam à publicação de textos inéditos de autores nacionais, há uma lacuna na formação de nossos estudantes de graduação que, em sua maioria, não dominam a leitura de textos especializados em inglês e ficam assim sem acesso a ideias seminais. Claro que ideal seria ensinar inglês a todos nossos estudantes, mas a realidade é que não temos tido sucesso nem mesmo em ensinar o português. Esta tradução foi autorizada diretamente pelo autor do texto original para publicação neste Blog. Críticas, comentários e sugestões sobre a tradução serão bem-vindos.

* Conheça o Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, 1928, em https://pib.socioambiental.org/files/manifesto_antropofago.pdf
Devido às limitações do Blog, a tradução será publicada em partes.
The Invisible Hook: Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado (7ª parte)
Os bandos de piratas são radicalmente democráticos e igualitários: Hayek e o imperativo evolucionário.

Tradução: Fernando Luiz Goldman
Clique aqui e leia a 6ª parte


Existe uma longa tradição em filosofia e psicologia sobre a questão de saber se todo mundo é um hedonista ou egoísta psicológico, que Elliott Sober e eu consideramos extensivamente em nosso livro de 1998, “Unto Others”[1] e que foi atualizado em meu livro de 2015, sobre se o Altruísmo existe (ver nota 2). Nossas conclusões não proporcionam mais conforto para o individualismo do que uma análise baseada na ação. Na verdade, se por "econômico" significamos raciocínio custo-benefício, então uma análise econômica sugere que, quando a pró-socialidade em ação é solicitada, a pró-socialidade no pensamento é a maneira mais eficiente e menos propensa a erros de produzir a ação. Um exemplo notável do mar é contada pelo escritor do século IXX, Stephen Crane, em seu conto “The Open Boat”[2], com base em uma experiência de vida real em que um navio que ele estava a bordo afundou na costa da Flórida e ele se encontrou em um pequeno bote com outros três homens, caminhando por suas vidas em direção à costa. Crane poderia ter se importado apenas com sua própria vida, mas essa não era sua experiência psicológica.
Seria difícil descrever a sutil fraternidade dos homens que estava aqui estabelecida nos mares. Ninguém disse que era assim. Ninguém mencionou isso. Mas ela estava no barco, e cada homem a sentia aquecê-lo. Eles eram um capitão, uma lubrificante, um cozinheiro e um correspondente, e eles eram amigos. amigos em um grau mais ferrenho, do que pode ser comum. O capitão doido, deitado contra a jarra de água na proa, falava sempre em voz baixa e calmamente; mas ele nunca poderia comandar uma tripulação mais pronta e rapidamente obediente do que o grupo tão heterogêneo dos três do bote. Era mais do que um mero reconhecimento do que era melhor para a segurança comum. Certamente havia uma coisa que era pessoal e sentida pelo coração. Depois dessa devoção ao comandante do barco, havia esta camaradagem, que o correspondente, por instantes, que tinha sido ensinado a ser um homem cínico, sabia que, na época, era a melhor experiência de sua vida (p. 353).
Não posso falar de piratas, mas inúmeros soldados contaram histórias semelhantes de devoção a seus camaradas durante situações de vida e morte e uma fusão psicológica do self com o grupo. Isso é chamado de "fusão" na literatura psicológica e é particularmente forte nos grupos terroristas[3].
Realizei pesquisas que mediam a pró-socialidade no pensamento (com uma pesquisa) e a ação (com jogos experimentais e expressões naturalistas de comportamento pró-social) na vida cotidiana[4]. Os resultados poderiam ter mostrado uma correlação zero se as pessoas interessadas em suas mentes sabem quando ser pró-social em ação, mas os resultados mostraram uma forte correlação positiva. Se você quer um parceiro social útil, encontre alguém que lhe diga que é importante ajudar outras pessoas. Depois, há os famosos estudos liderados por Robert Frank, que mostram que o treinamento econômico na faculdade faz com que as pessoas sejam menos generosas em ação[5]. O individualismo definido em termos de pensamentos e sentimentos é tão incoerente quanto o individualismo definido em termos de ação. 
No Capítulo 8, Leeson relaciona humoristicamente as mensagens de levar a casa de seu livro como o programa da classe de Gerenciamento 101 da professora Blackbeard. As lições a serem aprendidas incluem "A ganância é boa" e "Os regulamentos são importantes, mas usar o governo para impô-los pode virar fogo". Estes se aproximam da versão vulgar do liberalismo, que pretende que o Mercado não pode fazer nada de errado e o Governo não pode fazer nada de bom, em comparação com a versão mais sofisticada do liberalismo discutida no seminário.

Para continuação, clique aqui e leia a 8ª parte



[1] Sober, E., & Wilson, D. S. (1998). Unto Others: The Evolution and Psychology of Unselfish Behavior. Cambridge, MA: Harvard University Press.
[2] Crane, S. (n.d.). The Open Boat. In Complete Short Stories and Sketches of Stephen Crane. Garden City, NY: Doubleday.
[3] Atran, S., Sheikh, H., & Gomez, A. (2014). Devoted actors sacrifice for close comrades and sacred cause. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 111(50), 17702–3. https://doi.org/10.1073/pnas.1420474111
[4] Wilson, D. S., O’Brien, D. T., & Sesma, A. (2009). Human pró-sociality from an evolutionary perspective: variation and correlations at a city-wide scale. Evolution and Human Behavior, 30(3), 190–200. https://doi.org/10.1016/j.evolhumbehav.2008.12.002
[5] Frank, R. H., Gilovich, T., & Regan, D. T. (1993). Does Studying Economics Inhibit Cooperation? The Journal of Economic Perspectives. American Economic Association. https://doi.org/10.2307/2138205

The Invisible Hook (6ª parte): Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado

Esta tradução faz parte do meu projeto pessoal de antropofagia* de boas ideias escritas originalmente em inglês. Enquanto os periódicos acadêmicos nacionais se dedicam à publicação de textos inéditos de autores nacionais, há uma lacuna na formação de nossos estudantes de graduação que, em sua maioria, não dominam a leitura de textos especializados em inglês e ficam assim sem acesso a ideias seminais. Claro que ideal seria ensinar inglês a todos nossos estudantes, mas a realidade é que não temos tido sucesso nem mesmo em ensinar o português. Esta tradução foi autorizada diretamente pelo autor do texto original para publicação neste Blog. Críticas, comentários e sugestões sobre a tradução serão bem-vindos.

* Conheça o Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, 1928, em https://pib.socioambiental.org/files/manifesto_antropofago.pdf
Devido às limitações do Blog, a tradução será publicada em partes.
The Invisible Hook: Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado (6ª parte)
Os bandos de piratas são radicalmente democráticos e igualitários: Hayek e o imperativo evolucionário.

Tradução: Fernando Luiz Goldman
Clique aqui e leia a 5ª parte


Procedendo ao individualismo metodológico, aqui está a definição fornecida pela autêntica Enciclopédia da Filosofia de Stanford:
Esta doutrina foi introduzida como um preceito metodológico para as ciências sociais por Max Weber, mais importante no primeiro capítulo de Economia e Sociedade[1] (1922). Isso equivale à afirmação de que os fenômenos sociais devem ser explicados mostrando como eles resultam de ações individuais, o que, por sua vez, deve ser explicado por referência aos estados intencionais que motivam os atores individuais. Envolve, em outras palavras, um compromisso com o primado do que Talcott Parsons mais tarde chamaria de "quadro de referência de ação" (Parsons 1937: 43-51[2]) na explicação social-científica. Também às vezes é descrito como a afirmação de que as explicações dos fenômenos sociais "macro" devem ser fornecidas com fundamentos "micro", que especificam um mecanismo teórico-ação (Alexander, 1987[3] ).
Um contraste é muitas vezes desenhado, seguindo Watkins (1952a[4]), entre individualismo metodológico e holismo metodológico. Isso geralmente é tendencioso, uma vez que existem muito poucos cientistas sociais que se descrevem como holistas metodológicos.
Ao contrário, a coisa notável sobre a teoria da evolução é que ela justifica tanto o individualismo metodológico e o holismo metodológico 16. Para ver como, considere a observação mundana de que a maioria das espécies que vivem no deserto são de cor arenosa para evitar serem vistas pelos seus predadores e / ou suas presas. A explicação é simples: todas as espécies variam em sua coloração, aquelas que são coloridas de areia sobrevivem e se reproduzem melhor e a prole se parece aos pais. Esta previsão pode ser feita para qualquer espécie do deserto, como um caracol, inseto, réptil, pássaro ou mamífero, sem qualquer referência às suas maquiagens físicas. Na medida em que a maquiagem física de um organismo resulta em variação hereditária, é a medida em que pode ser ignorada ao fazer previsões com base na influência da seleção, que se chama "causalidade descendente"[5]. As peças permitem as propriedades do todo, mas não causam as propriedades do todo. Se esse não é o holismo metodológico, o que seria?
Claro, a coloração de cada espécie tem uma base física: carbonato de cálcio para caramujos, quitina para insetos, queratina para mamíferos e assim por diante. A compreensão mecânica (chamada causalidade próxima[6]) para cada caso é importante, mas complementa e não substitui a compreensão holística (chamada causalidade final[7]). E, ao contrário da explicação holística, que é a mesma para cada espécie, a explicação mecanicista é diferente para cada espécie.
Este exemplo é centrado no organismo individual como a unidade da análise holística. De acordo com a TSM, no entanto, é a unidade de seleção que precisa ser a unidade de análise holística, que é o grupo para espécies altamente selecionadas em grupo. Isso é evidente para os biólogos sociais de insetos, que centram suas análises holísticas na colônia e não no inseto individual. A conclusão é inevitável que, se somos uma espécie fortemente selecionada em grupo, a análise holística deve ser centrada no grupo.
É disso que Hayek é conhecido, ao descrever os sistemas econômicos como uma forma de inteligência distribuída que evoluiu pela seleção cultural de grupos, em que cada pessoa desempenha um papel menor e, em sua maioria, desconhecedor. Mais uma vez, Hayek foi pioneiro no pensamento evolucionário, mas chamar sua abordagem totalmente individualista é incoerente.
Até agora, descrevi interesse próprio e pró-socialidade em termos de como as pessoas se comportam umas com as outras, o que não aborda como elas pensam ou sentem. Talvez Leeson esteja afirmando que os piratas (e todos os outros) se preocupam quase inteiramente com eles em suas próprias mentes, mesmo quando cooperam um com o outro, como o hipotético crente religioso que faz bem aos outros apenas porque quer ir ao céu.

Para continuação, clique aqui e leia a 7ª parte



[1] Weber, M. (1922). Economy and Society. (G. Roth & C. Wittich, Eds.). Berkeley: University of California Press.
[2] 13. Parsons, T. (1937). The Structure of Social Action. New York: Free Press.
[3] Alexander, J. (1987). The Micro-Macro Link. Berkeley, CA: University of California Press.
[4] Watkins, J. W. N. (1952). Ideal Types and Historical Explanation. British Journal for the Philosophy of Science, 3, 22–43.
[5] Wilson, D. S. (1988). Holism and reductionism in evolutionary biology. Oikos, 53(269–273).
[6] Campbell, D. T. (1990). Levels of organization, downward causation, and the selection-theory approach to evolutionary epistemology. In G. Greenberg & E. Tobach (Eds.), Theories of the evolution of knowing (pp. 1–17). Hillsdale,NJ: Lawrence Erlbaum Associates.
[7] Mayr, E. (1961). Cause and Effect in Biology. Science, 134(3489), 1501–1506.

The Invisible Hook (5ª parte): Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado

Esta tradução faz parte do meu projeto pessoal de antropofagia* de boas ideias escritas originalmente em inglês. Enquanto os periódicos acadêmicos nacionais se dedicam à publicação de textos inéditos de autores nacionais, há uma lacuna na formação de nossos estudantes de graduação que, em sua maioria, não dominam a leitura de textos especializados em inglês e ficam assim sem acesso a ideias seminais. Claro que ideal seria ensinar inglês a todos nossos estudantes, mas a realidade é que não temos tido sucesso nem mesmo em ensinar o português. Esta tradução foi autorizada diretamente pelo autor do texto original para publicação neste Blog. Críticas, comentários e sugestões sobre a tradução serão bem-vindos.

* Conheça o Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, 1928, em https://pib.socioambiental.org/files/manifesto_antropofago.pdf
Devido às limitações do Blog, a tradução será publicada em partes.
The Invisible Hook: Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado (5ª parte)
Os bandos de piratas são radicalmente democráticos e igualitários: Hayek e o imperativo evolucionário.

Tradução: Fernando Luiz Goldman
Clique aqui e leia a 4ª parte


A alternativa de Hayek ao modelo de ator racional distingue dois sistemas morais diferentes, ambos um produto de seleção de grupo. O primeiro é mais antigo, evoluindo na escala de pequenos grupos e enfatizando a cooperação e a solidariedade. O segundo é um produto mais recente, um produto da seleção cultural de grupos mais do que a seleção genética de grupos, que Hayek chamou de “a ordem estendida". Isso possibilitou a cooperação em uma escala maior, mas exigiu um novo conjunto de regras morais que enfatizassem a busca do interesse individual em um mercado livre, onde a oferta e a demanda atuam como a mão invisível que orienta o interesse próprio para fins socialmente benéficos. De acordo com Hayek, esses dois sistemas morais sempre existirão em um relacionamento desconfortável um com o outro. Aqui está uma passagem de seu livro The Fatal Conceit[1]:
As estruturas da ordem estendida são compostas não apenas em indivíduos, mas também em muitas sub-ordens, muitas vezes sobrepostas, nas quais as antigas respostas instintivas, como a solidariedade e o altruísmo, continuam a manter alguma importância, auxiliando a colaboração voluntária, mesmo que sejam incapazes, por si só, de criar uma base para a ordem mais ampla. Parte da nossa dificuldade atual é que devemos constantemente ajustar nossas vidas, nossos pensamentos e nossas emoções, para viver simultaneamente com diferentes tipos de ordens de acordo com regras diferentes. Se aplicássemos as regras não modificadas, não encadernadas, do microcosmo (isto é, da pequena banda ou da tropa, ou das nossas famílias) ao macrocosmo (nossa civilização mais larga), como nossos instintos e anseios sentimentais muitas vezes nos fazem querer fazer, nós o destruíriamos. No entanto, se sempre aplicássemos as regras da ordem estendida aos nossos agrupamentos mais íntimos, nós os esmagaríamos. Portanto, devemos aprender a viver em dois tipos de mundo ao mesmo tempo (p. 18).
Hayek teria considerado as sociedades piratas como uma manifestação de moralidade de pequenos grupos com pouca relevância para a extensão da ordem. Sua concepção dos sistemas econômicos é claramente mais consistente com a teoria evolucionária e o estudo da moral humana do que o modelo do ator racional, e é por isso que eu admiro Hayek por sua originalidade e muitas das suas idéias.
No entanto, de acordo com Hayek e seus seguidores, sua abordagem ainda se qualifica como individualista, só que não o mesmo tipo de individualismo que o modelo do ator racional. Esse foi um tópico principal da conversa no seminário, com discussões acadêmicas de reducionismo e individualismo metodológico em exibição. Para minha vantagem, essas versões do individualismo também são incoerentes e a teoria evolucionária fornece uma alternativa robusta.
Começando com o reducionismo, uma escola de pensamento que busca entender todas as coisas estudando as partes e suas interações. Na biologia, um organismo individual é uma unidade de nível superior que o reducionismo sopra no caminho das interações moleculares e atômicas. Veja como o filósofo Elliott Sober descreve as duas reivindicações do reducionismo em um artigo intitulado "O argumento de realização múltipla contra o redução do distúrbio"[2].
1) Toda ocorrência singular que uma ciência de nível superior pode explicar também pode ser explicada por uma ciência de nível inferior.
2) Toda lei em uma ciência de nível superior pode ser explicada por leis em uma ciência de nível inferior.
Sober começa seu artigo com as palavras: "Se há uma visão comum entre os filósofos da mente e os filósofos da biologia sobre o reducionismo, é que o reducionismo está enganado". Sua própria análise afirma a visão comum. Basta dizer que o reducionismo não fornece nenhuma justificativa para o individualismo na teoria econômica, em parte porque os indivíduos são unidades de nível superior e em parte porque os argumentos que justificam descrições de nível superior se aplicam tanto às sociedades quanto aos indivíduos.

Para continuação, clique aqui e leia a 6ª parte




[1] Hayek, F. (1988). The Fatal Conceit. London, UK: Routledge.
[2] Sober, E. (1999). The Multiple realizability argument against reductionism. Philosophy of Science, 66, 542–564.

The Invisible Hook (4ª parte): Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado

Esta tradução faz parte do meu projeto pessoal de antropofagia* de boas ideias escritas originalmente em inglês. Enquanto os periódicos acadêmicos nacionais se dedicam à publicação de textos inéditos de autores nacionais, há uma lacuna na formação de nossos estudantes de graduação que, em sua maioria, não dominam a leitura de textos especializados em inglês e ficam assim sem acesso a ideias seminais. Claro que ideal seria ensinar inglês a todos nossos estudantes, mas a realidade é que não temos tido sucesso nem mesmo em ensinar o português. Esta tradução foi autorizada diretamente pelo autor do texto original para publicação neste Blog. Críticas, comentários e sugestões sobre a tradução serão bem-vindos.

* Conheça o Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, 1928, em https://pib.socioambiental.org/files/manifesto_antropofago.pdf
Devido às limitações do Blog, a tradução será publicada em partes.
The Invisible Hook: Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado (4ª parte)
Os bandos de piratas são radicalmente democráticos e igualitários: Hayek e o imperativo evolucionário.

Tradução: Fernando Luiz Goldman
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Passemos um pouco mais de tempo na psicologia moral. Em uma entrevista que realizei com o filósofo moral Simon Blackburn, pedi-lhe que definisse a moral como seria em uma classe de filosofia introdutória, sem qualquer referência à evolução. Aqui está o que ele disse:
Eu acho que, no seu mais simples, é um sistema pelo qual pressionamos nós mesmos e outros para que estejamos de acordo com certos tipos de comportamento. Esse é o lado da moral que talvez seja mais obviamente associado a regras, limites de conduta, com a limitação criminal do comportamento, quando as regras são transgredidas. Além disso, há um elemento de moral que se preocupa com nossos sentimentos e emoções, por exemplo com simpatia e nossa capacidade de sentir simpatia no sofrimento dos outros e uma motivação correspondente para fazer algo sobre isso. Portanto, há dois lados para a moral, um mais coercitivo e o segundo mais gentil e humano.
O que é notável sobre esta descrição convencional da moral é o quão bem ela concorda com minha explicação evolucionária. Um manual de tradução dificilmente é necessário. O lado coercitivo da moeda da moral assegura que os comportamentos pró-sociais dentro do grupo não serão explorados. Dado um ambiente social seguro, as pessoas são livres para expressar seus impulsos genuinamente pró-sociais em seu grau máximo.
A psicologia moral humana é infundida no "nós". Quem se enquadra no círculo moral, qualificando-se como parte de "nós"? O que devemos "nós" fazer para maximizar nossos benefícios coletivos? Isso inclui como "nós" devemos comportar-nos com aqueles que não estão incluídos em nosso círculo moral e qualificam-se como "eles"? Nas comunidades morais mais fortes, a sensação de "nós" é tão forte que o grupo é descrito por seus próprios membros como um único organismo, com os indivíduos desempenhando um papel semelhante a um órgão - uma metáfora que agora foi afirmada pelo conceito de grandes transições evolucionárias.
Na maioria das comunidades morais, a palavra "egoísta" é reservada para comportamentos que beneficiam o ator egoísta à custa do bem comum, o que se encaixa bem com a definição de egoísmo na TSM, como os produtos principalmente perturbadores da seleção dentro do grupo. Os comportamentos pró-sociais não são chamados de egoístas, mesmo quando o ator se beneficia com todos os outros. Na verdade, a maioria dos sistemas morais religiosos promete abundantes benefícios pessoais aos seus crentes, tanto nesta vida como na próxima. Além disso, quando os comportamentos pró-sociais são analisados ​​em detalhes, eles realmente se qualificam como altruístas, conforme definido pela TSM. Em outras palavras, eles normalmente exigem tempo, energia e risco por parte do indivíduo pró-social, reduzindo sua capacidade física relativa dentro dos grupos. Eles são como o indivíduo que ganha apenas US$ 99, em comparação com US$ 100 para todos os outros.
Em suma, o estudo dos sistemas morais humanos, primeiro pelos filósofos e, cada vez mais, por cientistas comportamentais, é altamente consistente com a TSM. O modelo do ator racional na Economia não é. Ou o modelo do ator racional é simplesmente errado ou muito trabalho será necessário para mostrar como ele se encaixa com a teoria evolucionária e a psicologia moral humana.
Se Friedrich Hayek se interessasse por piratas, ele teria escrito um livro diferente do de Leeson. Hayek era um crítico feroz da teoria da escolha racional, que considerava uma ficção. Na verdade, isso é amplamente considerado como uma das idéias mais importantes de Hayek. Veja como o economista Herbert Gintis descreve isso em um artigo intitulado "Contribuição de Hayek para uma Reconstrução da Teoria Econômica[1]":
Em contraste com Hayek, a teoria econômica moderna em geral e a teoria dos jogos, em particular, mantêm um processo muito mais rígido er explicados como equilíbrio de Nash, num jogo desempenhado por ate acredito na forma indefensável de individualismo metodológico, em que todos os fenômenos sociais acima do nível do indivíduo devem sores egoístas, amorais e racionais. Por isso, arraigado na teoria econômica é esse princípio que nem sequer é explicitamente articulado. Em vez disso, é simplesmente abraçado como "conhecimento tácito" (p111).
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[1] Gintis, H. (2013). Hayek’s Contribution to a Reconstruction of Economic Theory. In Hayek and Behavioral Economics (pp. 111–126). London: Palgrave Macmillan UK. https://doi.org/10.1057/9781137278159_5

The Invisible Hook (3ª parte): Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado

Esta tradução faz parte do meu projeto pessoal de antropofagia* de boas ideias escritas originalmente em inglês. Enquanto os periódicos acadêmicos nacionais se dedicam à publicação de textos inéditos de autores nacionais, há uma lacuna na formação de nossos estudantes de graduação que, em sua maioria, não dominam a leitura de textos especializados em inglês e ficam assim sem acesso a ideias seminais. Claro que ideal seria ensinar inglês a todos nossos estudantes, mas a realidade é que não temos tido sucesso nem mesmo em ensinar o português. Esta tradução foi autorizada diretamente pelo autor do texto original para publicação neste Blog. Críticas, comentários e sugestões sobre a tradução serão bem-vindos.

* Conheça o Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, 1928, em https://pib.socioambiental.org/files/manifesto_antropofago.pdf
Devido às limitações do Blog, a tradução será publicada em partes.
The Invisible Hook: Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado (3ª parte)
Os bandos de piratas são radicalmente democráticos e igualitários: Hayek e o imperativo evolucionário.

Tradução: Fernando Luiz Goldman
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Em outras espécies, a seleção entre grupos é a força dominante. Os membros dos grupos evoluem sendo tão pró-sociais que o grupo se torna um organismo de nível superior por direito próprio. Isso é chamado de transição evolucionária importante[1] e ocorreu repetidamente durante a história da vida, incluindo as primeiras células, células nucleadas como grupos de células bacterianas, organismos multicelulares como grupos de células nucleadas e colônias de insetos sociais como grupos de insetos individuais. A própria vida pode ter se originado como grupos de interações moleculares que colaboraram. Literalmente, cada unidade que chamamos de organismo é de fato uma sociedade altamente regulada de unidades de nível inferior que evoluiu por seleção de nível superior.
Um dos desenvolvimentos mais profundos no pensamento evolucionário durante as últimas três décadas é ver nossa espécie como a mais nova evolução de uma transição maior[2]. Nossa capacidade de reprimir os comportamentos disruptivos de auto-atendimento dentro de grupos e coordenar nossas atividades para alcançar benefícios coletivos foi alimentada em nossa psique por milhares de gerações de evolução genética. Inclui nosso sentido moral, nossa capacidade de pensar em termos de um inventário compartilhado de símbolos e nossa capacidade de transmitir grandes quantidades de informações aprendidas entre gerações. Inclui atividades mentais que se qualificam como conscientes e intencionais, juntamente com muitas outras atividades mentais, que ocorrem sob atenção consciente. Como Alexis d'Toqueville observou perceptivamente[3], "A aldeia ou município é a única associação que é tão perfeitamente natural que, onde quer que um número de homens seja escolhido, ela parece se constituir a si própria".
Esta é a psicologia geneticamente inata e culturalmente elaborada que surgiu na vida em navios piratas durante sua história extraordinariamente breve. Mais geralmente, é a visão da natureza humana e sociedade que emergiu da teoria evolucionária. A questão agora se torna: como isso pode ser descrito pelos economistas como uma forma de interesse próprio?
Leeson e eu concordamos que havia uma lógica adaptativa para o comportamento pirata. O que eles fizeram resultou em benefícios, em comparação com muitas outras maneiras pelas quais eles poderiam ter se comportado. Eu atribuo os comportamentos adaptativos a uma psicologia moral complexa que evoluiu por um processo de seleção entre grupos e foi invocado em grande parte em navios piratas, embora uma seleção de grupos culturais contemporâneos também pudesse ter ocorrido.
Leeson[4] explica os mesmos comportamentos em termos da teoria da escolha racional da Economia, que ele descreve dessa maneira (p. 5):
 Primeiro, os indivíduos se interessam por si mesmos. Isso não significa que eles nunca se importam com ninguém além de si mesmos. Isso significa que a maioria de nós, na maioria das vezes, está mais interessada em se beneficiar e aos mais próximas de nós do que estamos interessados ​​em beneficiar os outros. Segundo, os indivíduos são racionais. Isso não significa que eles sejam robôs ou infalíveis.  Isso significa que os indivíduos tentam alcançar seus objetivos autointeressados ​​das melhores maneiras que eles conhecem. Em terceiro lugar, os indivíduos respondem aos incentivos. Quando o custo de uma atividade aumenta, os indivíduos fazem menos disso. Quando o custo de uma atividade cai, eles fazem mais disso. O inverso é verdadeiro para o benefício de uma atividade. Quando o benefício de uma atividade aumenta, nós fazemos mais disso. Quando o benefício cai, nós fazemos menos disso. Em resumo, as pessoas tentam evitar custos e capturar benefícios... Não é só que a Economia possa ser aplicada aos piratas. A escolha racional é a única maneira de compreender verdadeiramente as práticas de pirataria extravagantes, estranhas e francamente chocantes.
Dado que ofereci uma outra explicação, um de nós dois está errado ou um manual de tradução é necessário para mostrar como essas explicações são consistentes uma com a outra. Isso não será fácil. Como Robert Frank observou, o ator racional não compara seus benefícios com o benefício de ninguém. Os piratas eram obsessivamente comparativos, garantindo que os benefícios fossem compartilhados e calibrados pela contribuição em esforço para o grupo. Além disso, o ator racional é moralmente frouxo. Ele pode ter interesse no bem-estar dos outros, mas esse interesse não faz absolutamente nenhum trabalho explicativo no quadro de Leeson e pode não existir de todo. Como essa explicação pode ser cotejada com minha explicação, que é centrada na psicologia moral humana?
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[1] Maynard Smith, J., & Szathmary, E. (1999). The origins of life: from the birth of life to the origin of language. Oxford: Oxford University Press.
[2] Wilson, E. O. (2012). The Social Conquest of Earth. New York: Norton.
[3] Tocqueville, A. de. (1835). Democracy in America. New York: Penguin Classic.
[4] É possível assistir uma explanação completa do autor de “The Invisivel Hook” em https://www.youtube.com/watch?v=Cqln85GD6TQ  (nota do tradutor)

domingo, 7 de janeiro de 2018

The Invisible Hook (2ª parte): Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado

Esta tradução faz parte do meu projeto pessoal de antropofagia* de boas ideias escritas originalmente em inglês. Enquanto os periódicos acadêmicos nacionais se dedicam à publicação de textos inéditos de autores nacionais, há uma lacuna na formação de nossos estudantes de graduação que, em sua maioria, não dominam a leitura de textos especializados em inglês e ficam assim sem acesso a ideias seminais. Claro que ideal seria ensinar inglês a todos nossos estudantes, mas a realidade é que não temos tido sucesso nem mesmo em ensinar o português. Esta tradução foi autorizada diretamente pelo autor do texto original para publicação neste Blog. Críticas, comentários e sugestões sobre a tradução serão bem-vindos.

* Conheça o Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, 1928, em https://pib.socioambiental.org/files/manifesto_antropofago.pdf
Devido às limitações do Blog, a tradução será publicada em partes.
The Invisible Hook: Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado (2ª parte)
Os bandos de piratas são radicalmente democráticos e igualitários: Hayek e o imperativo evolucionário.
Tradução: Fernando Luiz Goldman
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Quando eu li The Invisible Hook, encontrei todos os principais temas que foram discutidos no seminário, incluindo o tema abrangente de que tudo pode ser explicado como uma forma de interesse próprio. No seminário, isso assumiu a forma de discussões acadêmicas sobre o individualismo nas ciências sociais. Para Leeson, isso significava que todas as nuances do comportamento dos piratas - sua justiça uns com os outros, sua crueldade altamente seletiva em relação a suas vítimas, mesmo a “Jolly Roger”[1], como um sinal que lhes é caro, podem ser explicados como formas de comportamento maximizador do lucro. Isso se aproxima da versão vulgar do liberalismo e Leeson não é tímido em chamar "A ganância é boa" de uma lição central a ser aprendida (p. 177).
Para mim, a lição central a ser aprendida, tanto do seminário quanto do livro de Leeson, é que o conceito de interesse próprio individual é incoerente. Esse é, sem dúvida, o principal problema com a Economia e a grande contribuição que a Teoria da Seleção Multinível (TSM) pode fazer para fornecer uma alternativa mais coerente.
Antes de criticar The Invisible Hook, permitam-me elogiá-lo. É uma leitura fantástica que usa as sociedades piratas como um microcosmo para levantar grandes questões sobre a natureza humana e sociedade. Eu aprendi muito sobre piratas, que eu não conhecia anteriormente, e a análise econômica de Leeson tem muitos acertos. Minha principal queixa é que podemos fazer melhor com nosso quadro explicativo geral. The Invisible Hook pode servir de microcosmo para levantar grandes questões sobre a teoria econômica, além de grandes questões sobre a natureza humana e sociedade.
Aqui estão alguns dos fatos sobre a sociedade pirata que clamam por uma explicação. Famosos por sua barbárie em relação às vítimas, é fácil supor que os piratas também devem ser bárbaros entre si, mas nada está mais longe da verdade. A maioria das sociedades piratas era escrupulosamente democrática. Eles votavam quem deveria ser seu capitão e eram rápidos em depô-lo se ele não se saísse bem. Eles limitavam a autoridade de seu capitão para situações de batalha e elegiam outro oficial, o intendente, para supervisionar a vida diária a bordo. O capitão e o intendente recebiam apenas duas partes de saque capturadas, em comparação com uma parte para cada membro da tripulação. Uma proporção significativa de tripulantes dos piratas era negra e, enquanto alguns eram escravos, outros eram tratados como iguais.
Embora seu comportamento temível em relação a suas vítimas fosse real, também era altamente estratégico. O objetivo era capturar navios e pegar seus valores sem qualquer luta. Enquanto suas vítimas não tentassem lutar ou ocultar seus objetos de valor, ninguém provavelmente sofreria. A resistência era respondida com crueldade desenfreada, não porque os piratas fossem psicopatas, mas cultivavam uma reputação de serem psicopatas para diminuir a resistência das futuras vítimas. Os piratas também eram cruéis com os capitães de navios capturados que eram cruéis com suas próprias tripulações. Eles raramente recrutaram membros da tripulação de navios capturados e não precisavam, já que geralmente havia muitos voluntários. A principal exceção a esta regra era a tripulação com habilidades especiais, como cirurgiões ou carpinteiros.
Leeson compara a invenção da governança democrática entre os piratas com outras invenções ao longo da história, como a antiga Atenas e a América colonial. No entanto, de longe a comparação mais interessante é com as sociedades caçadoras-coletoras em todo o mundo, que o antropólogo evolucionista Christopher Boehm chama de sociedades de "dominância reversa" [2]. Na maioria das sociedades animais, o domínio assume a forma de indivíduos mais fortes intimidando os mais fracos. Essas sociedades se chamariam de despóticas em termos humanos e proporcionam um ambiente social inóspito para a cooperação. Mesmo a cooperação limitada que ocorre geralmente assume a forma de pequenas alianças que competem contra outras alianças dentro do mesmo grupo. Em nossos antepassados ​​distantes, membros de grupos encontraram maneiras de suprimir coletivamente comportamentos disruptivos de atendimento próprio, o que proporciona um ambiente social mais hospitaleiro para a cooperação. Se você não pode ter sucesso a expensas de outros dentro de seu próprio grupo, a única alternativa é cooperar dentro de seu grupo em competição com outros grupos, que podem assumir a forma de competição direta, como guerra,
Aqui está o nosso primeiro ponto de ruptura entre a teoria econômica e a teoria evolucionária como grandes quadros explicativos. A teoria econômica não se aprofunda muito longe no passado. Leeson não se aproximou da antiga Atenas. A teoria evolucionária parece ir mais longe, até o passado. A partir desta vantagem, os piratas estavam fazendo o que surgiu naturalmente em toda a nossa história como uma espécie - cooperando dentro de seu grupo de uma forma que foi rigorosamente policiada e se comportando como uma unidade corporativa para outros grupos de forma adaptada ao contexto ecológico.
A seleção do grupo é um conceito que Darwin foi forçado a desenvolver quando percebeu que sua teoria da seleção natural não poderia explicar a evolução dos comportamentos pró-sociais[3] ·. A palavra "pró-social" refere-se a qualquer atitude, comportamento ou instituição orientada para o bem-estar dos outros ou de um grupo como um todo. É mais geral do que a palavra "altruísmo", o que implica um certo auto-sacrifício no ato de ajudar os outros. A palavra pró-social é agnóstica nesse ponto. Se uma pessoa pode fazer bem fazendo o bem, tanto melhor.
No entanto, como uma questão básica de tradeoffs, ajudar os outros ou o grupo como um todo, geralmente, exige tempo, energia e / ou risco por parte dos atores individuais, o que os coloca em uma desvantagem relativa em relação aos outros membros do mesmo grupo, que recebem os benefícios sociais sem pagar os custos individuais. Aqui está um segundo ponto de ruptura entre a teoria evolucionária e econômica. A teoria evolucionária baseia-se na forma física relativa. Não importa o quão bem um organismo sobrevive e reproduz; só que é melhor do que outros organismos nas proximidades. A teoria econômica vem em muitos sabores, mas a versão ortodoxa atual é baseada na utilidade absoluta, como se as pessoas simplesmente desejassem maximizar seus lucros sem compará-los com os de outras pessoas.
Para melhor entender a diferença entre a aptidão (ou utilidade) relativa comparada à absoluta, imagine que você é um membro de um grupo e pode agir de forma a gerar US$ 100 dólares para todos, incluindo você, a um custo pessoal de apenas US$ 1. Isso faz você US$ 99 mais rico e todos os outros US$ 100 mais ricos. Se você se preocupa apenas com seu lucro absoluto, você embarcará nesta ação. Se você se preocupa apenas com seu lucro em relação aos outros em seu grupo, você evitará essa ação. O fato é que, em muitas situações, as pessoas escolhem o equivalente à segunda opção porque se preocupam em ter mais do que o seu bem-estar absoluto.
De acordo com o economista Robert Frank, repensar a teoria econômica para refletir o fato de que "a vida é classificada em uma curva" acabará por fazer Charles Darwin, e não Adam Smith, o pai reconhecido da Economia[4]. Para Darwin, o problema enfrentado foi que a seleção natural entre indivíduos dentro dos grupos não pode explicar a evolução dos comportamentos pró-sociais. Sua solução era adicionar outro nível de seleção natural - entre os grupos em uma população de vários grupos. Aqui é como ele colocou em uma das suas declarações canônicas com grupos humanos em mente[5].
Não se deve esquecer que, embora um alto padrão moral não ofereça uma leve vantagem, ou nenhuma, para cada homem individualmente e seus filhos sobre outros homens da mesma tribo e, ainda, que um aumento no número de homens moralmente bem dotados e que o avanço do padrão de moralidade certamente dará uma vantagem imensa a uma tribo sobre outra. Não há dúvida de que uma tribo que inclui muitos membros que, possuindo em alto grau o espírito de patriotismo, fidelidade, obediência, coragem e simpatia, estando esses membros sempre prontos para se ajudar uns aos outros e sacrificar-se pelo bem comum, seria vitoriosa sobre outras tribos; e essa seria a seleção natural. Em todo o mundo, tribos suplantaram outras tribos; e como a moral é um elemento importante do seu sucesso, o padrão de moralidade e número de homens moralmente bem dotados, em todos os lugares, tende a aumentar continuamente (p. 166).
A seleção de dois níveis (entre indivíduos dentro de grupos e entre grupos de uma população) deu à teoria evolucionária a capacidade de explicar os comportamentos disruptivos de auto-atendimento (favorecidos pela seleção dentro do grupo) e comportamentos pró-sociais (favorecidos pela seleção entre grupos) em qualquer espécie social. A questão de qual nível de seleção prevalece, ou se ambos operam em um grau (resultando em uma mistura de comportamentos anti-sociais e pró-sociais), é uma questão empírica que deve ser examinada caso a caso. A seleção dentro do grupo é a força dominante em muitas espécies sociais, como já observei. Estas são sociedades do tipo "uma vida de cão e depois você morre", nas quais nenhum de nós gostaria de viver. Elas persistiram por milhares de gerações e continuarão a persistir a menos que haja uma mudança no equilíbrio entre os níveis de seleção.
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[1] Jolly Roger é nome dado às bandeiras piratas, mais concretamente à típica bandeira cujo fundo é preto e tem uma caveira branca com dois ossos cruzados. (nota do tradutor)
[2] Boehm, C. (2011). Moral Origins: The Evolution of Virtue, Altruism, and Shame. New York: Basic Books.
[3] Wilson, D. S. (2015). Does Altruism Exist? Culture, Genes, and the Welfare of Others. New Haven, CT: Yale University Press.
[4] Frank, R. (2011). The Darwin Economy: Liberty, Competition, and the Common Good. Princeton: Princeton University Press.
[5] Darwin, C. (1871). The descent of man and selection in relation to sex (Vol. 2 vol.). London, UK: John Murray.