domingo, 23 de agosto de 2015

Big Data e Gestão do Conhecimento

Prezados
A bem conhecida hierarquia dados-informação-conhecimento (data-information-knowledge, DIK, como ficou conhecida) foi divulgada inicialmente por Ackoff (1989), em seu discurso aceitando a presidência da International Society for General Systems Research, e – embora possa ser útil para uma melhor compreensão de sistemas automatizados em ambientes industriais - contribui muito pouco para o correto entendimento do conhecimento, como fenômeno sócio-construtivista, em ambientes organizacionais. Quando o assunto é Gestão do Conhecimento Organizacional, a hierarquia DIK tem mostrado todo o seu potencial de confundir mais do que elucidar.

Em sistemas automatizados, sensores de diferentes tipos são utilizados para a leitura local de grandezas analógicas e digitais (estados). “Local” aqui significa no local físico em que se realiza o processo. Como em geral os processos industriais são controlados à distância, os dados coletados no campo precisam ser enviados ao ponto de controle do processo de forma ordenada, de modo que possam ser lidos como informação.

Imagine-se uma chave elétrica cuja posição influencie um processo, que está sendo controlado. Se a chave tem dois estados possíveis, aberta ou fechada e se algum tipo de sensor digital é utilizado para supervisionar o estado da referida chave elétrica, ele, o sensor, produzirá um sinal binário, 0 ou 1. É preciso que a cada sinal (Dado) vindo do campo corresponda um estado (Informação).    Por exemplo, sinal igual a 0 significa chave aberta e sinal igual a 1 significa chave fechada. Poderia ser o contrário, desde que a partir do sinal recebido (Dado) seja possível saber o estado da chave (Informação).

Da correta combinação dos estados de todas as chaves (Informação) no processo é possível escrever um programa que controle o processo (Knowledge).

Essa conceituação é muito antiga e, embora explicitada por Ackoff em 1989, vem sendo utilizada em Controle e Automação há muito tempo. Um gargalo deste tipo de sistema de Controle sempre foi o custo de comunicação de sinais entre o processo e seu controle.

Mais recentemente o envio dos sinais, que ocorria fisicamente, sinais elétricos por exemplo, vem sendo feito por protocolos digitais, possibilitando um trânsito e controle de um número muito maior de sinais a custos viáveis. Surgem daí úteis e inovadores conceitos tais como Internet das Coisas (IoT), Big Data e computação em nuvem .

A quarta maior empresa do mundo, a General Electric, entrou com tudo nesse jogo e lançou um serviço de computação em nuvem para atender o contexto indústrial de IoT – o Predix Cloud (ver https://www.gesoftware.com/predix), onde pode ser examinada a figura abaixo.

Mais informações estão também disponíveis em http://www.anpei.org.br/web/anpei/noticias/-/anpei/view/news?id=3997.

Forte abraço
Fernando Goldman


 

domingo, 1 de março de 2015

Uma Teoria da Firma baseada no conhecimento

Prezados 

Em 1996, Spender* já chamava atenção de que o conhecimento é um conceito “problemático demais, o que dificulta muito a tarefa de construir uma Teoria da Firma dinâmica e baseada nele”.

 

De lá para cá muitos autores têm explorado a importância de se levar em conta o conhecimento como um fator de produção que deve ser adicionado aos clássicos: terra, capital e trabalho.

 

É parte integrante deste esforço de construir uma Teoria da Firma adequada à Sociedade do Conhecimento, em que acreditamos viver, a correta definição do que seria fazer Gestão do Conhecimento.

 

É muito fácil coletar na Internet diferentes definições desse “o que seria fazer Gestão do Conhecimento?”. Estas definições denunciam a forma como o definidor lida com o conhecimento.

 

Por exemplo, não vou citar aqui nenhum autor em especial, para não parecer uma crítica pessoal, mas é comum encontrarmos definições do tipo: “a gestão do conhecimento se refere ao processo de transformação do conhecimento tácito em explícito, com o objetivo de facilitar o fluxo de conhecimento organizacional (NONAKA, 1994; NONAKA e TAKEUCHI, 1995)”.

 

A leitura desta definição nos permite perceber que os autores dela acreditam que existam dois conhecimentos, tácito e explícito, que podem ser - não só coisificados, como também - transformados um no outro. Assim, pela definição acima, fazer Gestão do Conhecimento consistiria em, de alguma forma, acessar o conhecimento tácito, em geral reconhecido só existir nos indivíduos, e transformá-lo em conhecimento explícito, em geral entendido como passível de virar informação.

 

É importante notar que muitos dos autores que trabalham com este tipo de definição atribuem sua base conceitual à Nonaka ou, o que é mais comum, a Nonaka e Takeuchi, o que chega a ser irônico pois tal definição é diametralmente oposta a toda teoria proposta por Nonaka e seus diferentes co-autores.

 

Outro tipo de definição muito comum, que também evitarei de citar um autor específico, é a do tipo que diz que “Gestão do Conhecimento é o processo pelo qual uma organização consciente e sistematicamente gera, coleta, organiza, compartilha e analisa seu acervo de conhecimento para atingir os seus objetivos”. É uma definição muito elegante, mas na prática se mostra muito problemática, pois está implícita aqui a ideia de que o conhecimento é uma coisa que pode ser coletada, capturada, e armazenada para ser utilizada sempre que necessário.

 

E como imaginar que a turma responsável pela Gestão do Conhecimento vá gerar algum conhecimento?

 

Tal enfoque, completamente alinhado com uma abordagem tecnocentrada onde o importante seria capturar qualquer informação não estruturada e torná-la disponível a todos na empresa, traz o ônus a quem trabalha com Gestão do Conhecimento de lidar diretamente com o conhecimento. Ora, só quem é capaz de lidar com o conhecimento, passível de se caracterizar como diferencial para uma empresa, são os conhecedores.

 

Eis aqui uma questão fundamental. Quem quer que se proponha a fazer Gestão do Conhecimento precisa entender que tácito e explícito são duas dimensões de qualquer conhecimento, que simplesmente não faz sentido imaginar que conhecimento tácito é um conhecimento esperando ser transformado em explícito, e que todo conhecimento só existe nos conhecedores, por mais informação que se deixe disponível na empresa.

 

Somente após a compreensão desses fatos é que se está pronto para construir uma Teoria da Firma baseada no conhecimento, começando a perceber que fazer Gestão do Conhecimento é uma atividade que não lida diretamente com o conhecimento e, portanto, não pode gerá-lo, coletá-lo, organizá-lo e muito menos compartilhá-lo. Estas seriam atividades de primeira ordem, executadas diretamente pelos conhecedores. As atividades da Gestão do Conhecimento são, necessariamente, atividades de segunda ordem, onde os processos de estruturação do conhecimento organizacional são observados, entendidos e aprimorados.

 

Forte abraço

 

Fernando Goldman

 

* SPENDER, J. C. Making knowledge the basis of a dynamic theory of the firm. Strategic Management Journal, v. 17 (edição especial), p. 45–62, 1996.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A perfeita percepção da diferença entre informação e conhecimento

Atualmente vem sendo bastante reconhecido que a maioria das atividades desenvolvidas por aí sob a etiqueta de Gestão do Conhecimento são, na realidade, atividades de Gestão da Informação. Assim, constantemente, desperta atenção a importância da devida diferença entre informação e conhecimento.

 

É possível notar uma certa frustração quando as empresas desenvolvem, ou contratam alguém para desenvolver, após muito tempo de trabalho e muitos custos, sistemas de Gestão do Conhecimento e acabam percebendo ter conseguido, tão somente, sistemas de Gestão da Informação.

 

Não que sistemas de Gestão da Informação não tenham enorme importância nas atividades gerencias como as vemos hoje em dia. Muitos autores afirmam categoricamente não ser possível se fazer uma boa Gestão do Conhecimento sem uma boa Gestão da Informação. Pronto! Parou aí.

 

A verdade é que com os desenvolvimentos alcançados nas últimas décadas no campo das Tecnologias da Informação, qualquer garoto de segundo grau com razoável conhecimento de Banco de Dados desenvolve um sistema capaz de livrar uma empresa de ter que lidar com informações espalhadas em várias planilhas simultaneamente.

 

Infelizmente, quem compra a ideia de um sistema de Gestão do Conhecimento espera muito mais do que um sistema de Gestão da Informação, como o descrito acima, é capaz de propiciar. Nessa hora começa a haver a necessidade de se entender com clareza a diferença entre informação e conhecimento.

 

Para tanto, a maior dificuldade reside no reconhecimento do caráter dinâmico do conhecimento. Há assim a necessidade de se ter uma Epistemologia, o que demanda um certo grau de aprofundamento. Como é bem sabido, a maioria dos que citam Polanyi nunca o leram. Muitos nem mesmo leram os trabalhos de Nonaka direito e não são capazes de compreender as simplificações feitas por ele nas ideias de Polanyi.

 

Por não entender o dinamismo do conhecimento, traduzido no fato de que ele está em constante construção, muitos profissionais, sem a base epistemológica necessária, acreditam ser possível transformar o conhecimento tácito em explícito e, ingenuamente, atribuem tal ideia a Nonaka.

 

Outros, apesar de afirmarem que informação e conhecimento são essencialmente diferentes, dizem que informação e conhecimento explícito poderiam ser a mesma coisa.

 

Talvez, pela falta da base epistemológica já citada, estes últimos tenham dificuldade de perceber que não existem dois conhecimentos distintos. Para Polanyi, tácito e explícito seriam apenas duas dimensões dinâmicas de um mesmo conhecimento e que um não existe sem o outro. Os dois estão em constante construção.

 

Portanto, como afirmar que informação e conhecimento são essencialmente diferentes, tendo um caráter estático e o outro caráter dinâmico, para a seguir dizer que a informação, estática, seria a mesma coisa que o conhecimento explícito, dinâmico pela própria natureza do conhecimento?

 

A informação pode ser gerada, armazenada, compartilhada, distribuída, etc., o conhecimento, seja ele tácito ou explícito, não.

 

Forte abraço

 

Fernando Goldman

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Da Gestão do Conhecimento à Gestão do Conhecimento Organizacional

Prezados

Para compreender o que realmente pode significar a expressão Gestão do Conhecimento Organizacional - e todo seu potencial de ser muito mais do que um simples modismo - é necessário ter clareza com relação a duas dimensões básicas. Primeiro, ter a perfeita percepção da diferença entre informação e conhecimento. Segundo, uma vez entendido o que é o conhecimento e seu caráter dinâmico, a percepção do Conhecimento Organizacional como uma metáfora capaz de auxiliar na construção de uma Teoria da Firma alinhada ao referencial teórico das Capacitações Dinâmicas.

Na enorme distância que separa essas duas dimensões talvez resida a explicação do porquê, após mais de vinte anos de pesquisas e publicações sobre o tema, ainda não se tenha atingido um consenso de que a Gestão do Conhecimento só faz sentido quando entendida como Gestão do Conhecimento Organizacional.

As duas dimensões reúnem, ao invés de separar, uma enorme variedade de profissionais sobre o guarda-chuva único de uma coisa difusa designada genericamente por Gestão do Conhecimento. O assunto atrai pesquisas em diferentes áreas de formação, indo da Economia, a Gestão Estratégica, a Teoria das Organizações, passando pelos Sistemas de Informação e a Gestão da Tecnologia e da Inovação, para atingir a Engenharia de Produção, o Marketing, a Psicologia, a Sociologia, a Pedagogia, a Arquivologia, a Biblioteconomia, etc.

Na primeira dimensão - a diferenciação entre informação e conhecimento - a maior dificuldade reside no reconhecimento do caráter dinâmico do conhecimento. Por não entender este dinamismo, traduzido no fato de que o conhecimento está em constante construção, muitos profissionais, sem a base teórica necessária, acreditam ser possível transformar o conhecimento tácito em explícito e confundem informação e conhecimento explícito.

Talvez o mais característico desta dimensão seja a dificuldade de se perceber que não existem dois conhecimentos distintos. Tácito e explícito seriam apenas facetas de um mesmo conhecimento e que um não existe sem o outro.

Como imaginar que profissionais, com tão diferentes formações, se não entendem o que é o conhecimento, possam entender o Conhecimento Organizacional, um hiato na literatura sobre arranjos organizacionais.

Embora a literatura esteja repleta do uso da expressão Gestão do Conhecimento Organizacional, muitas vezes é difícil identificar se o organizacional é um adjetivo da Gestão do Conhecimento, como se houvesse outros tipos de Gestão do Conhecimento, ou se efetivamente se está tratando de gerir o Conhecimento Organizacional.  

A verdade é que ainda há muita confusão e desperdício de recursos devido à falta de definições, critérios e padrões claros sobre o que deveria ser esperado da Gestão do Conhecimento Organizacional como uma competência organizacional e a percepção de que ela deveria estar relacionada à criação dinâmica de Conhecimento Organizacional, ou seja, à inovação.

Forte abraço

Fernando Goldman