Em 1996, Spender* já chamava
atenção de que o conhecimento é um conceito “problemático demais, o que
dificulta muito a tarefa de construir uma Teoria da Firma dinâmica e baseada nele”.
De lá para cá muitos autores têm
explorado a importância de se levar em conta o conhecimento como um fator de
produção que deve ser adicionado aos clássicos: terra, capital e trabalho.
É parte integrante deste esforço
de construir uma Teoria da Firma adequada à Sociedade do Conhecimento, em que
acreditamos viver, a correta definição do que seria fazer Gestão do
Conhecimento.
É muito fácil coletar na Internet
diferentes definições desse “o que seria fazer Gestão do Conhecimento?”. Estas
definições denunciam a forma como o definidor lida com o conhecimento.
Por exemplo, não vou citar aqui
nenhum autor em especial, para não parecer uma crítica pessoal, mas é comum
encontrarmos definições do tipo: “a gestão do conhecimento se refere ao
processo de transformação do conhecimento tácito em explícito, com o objetivo
de facilitar o fluxo de conhecimento organizacional (NONAKA, 1994; NONAKA e
TAKEUCHI, 1995)”.
A leitura desta definição nos
permite perceber que os autores dela acreditam que existam dois conhecimentos,
tácito e explícito, que podem ser - não só coisificados, como também - transformados um no outro. Assim, pela definição acima, fazer Gestão do
Conhecimento consistiria em, de alguma forma, acessar o conhecimento tácito, em
geral reconhecido só existir nos indivíduos, e transformá-lo em conhecimento
explícito, em geral entendido como passível de virar informação.
É importante notar que muitos dos
autores que trabalham com este tipo de definição atribuem sua base conceitual à
Nonaka ou, o que é mais comum, a Nonaka e Takeuchi, o que chega a ser irônico
pois tal definição é diametralmente oposta a toda teoria proposta por Nonaka e
seus diferentes co-autores.
Outro tipo de definição muito
comum, que também evitarei de citar um autor específico, é a do tipo que diz
que “Gestão do Conhecimento é o processo pelo qual uma organização consciente e
sistematicamente gera, coleta, organiza, compartilha e analisa seu acervo de
conhecimento para atingir os seus objetivos”. É uma definição muito elegante,
mas na prática se mostra muito problemática, pois está implícita aqui a ideia
de que o conhecimento é uma coisa que pode ser coletada, capturada, e
armazenada para ser utilizada sempre que necessário.
E como imaginar que a turma
responsável pela Gestão do Conhecimento vá gerar algum conhecimento?
Tal enfoque, completamente
alinhado com uma abordagem tecnocentrada onde o importante seria capturar
qualquer informação não estruturada e torná-la disponível a todos na empresa,
traz o ônus a quem trabalha com Gestão do Conhecimento de lidar diretamente com
o conhecimento. Ora, só quem é capaz de lidar com o conhecimento, passível de
se caracterizar como diferencial para uma empresa, são os conhecedores.
Eis aqui uma questão fundamental.
Quem quer que se proponha a fazer Gestão do Conhecimento precisa entender que
tácito e explícito são duas dimensões de qualquer conhecimento, que
simplesmente não faz sentido imaginar que conhecimento tácito é um conhecimento
esperando ser transformado em explícito, e que todo conhecimento só existe nos
conhecedores, por mais informação que se deixe disponível na empresa.
Somente após a compreensão desses
fatos é que se está pronto para construir uma Teoria da Firma baseada no
conhecimento, começando a perceber que fazer Gestão do Conhecimento é uma
atividade que não lida diretamente com o conhecimento e, portanto, não pode
gerá-lo, coletá-lo, organizá-lo e muito menos compartilhá-lo. Estas seriam
atividades de primeira ordem, executadas diretamente pelos conhecedores. As
atividades da Gestão do Conhecimento são, necessariamente, atividades de
segunda ordem, onde os processos de estruturação do conhecimento organizacional
são observados, entendidos e aprimorados.
Forte abraço
Fernando
Goldman
* SPENDER, J. C. Making knowledge the basis of a dynamic theory of
the firm. Strategic Management Journal, v. 17 (edição especial), p. 45–62, 1996.
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