quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

O Lado Sombrio da Inovação

Prezados
Joseph Alois Schumpeter (1883-1950), o teórico da "Destruição Criativa", foi um dos maiores economistas do século XX e ficou famoso por sua elaborada teoria, que reconhece o empreendedor e a inovação como elementos que sustentam o sistema capitalista e o sujeitam a ciclos de crescimento e implosão. Na década de 1980, os economistas evolucionários neoschumpeterianos resgataram as ideias de Schumpeter sobre a inovação e a partir daí foi um oba-oba generalizado, que vem aprofundando as confusões conceituais sobre diferentes tipos de inovação e como elas interagem com as tecnologias resultantes.
Noutro dia, minha sobrinha me disse que a amiga dela é “totalmente disruptiva” e eu até agora não sei se isso é bom ou ruim.
Em contraposição a esse brado generalizado na imprensa popular, e mesmo na academiade que “inovar é primordial”, o periódico acadêmico Industry and Innovation está com uma Call for Papers para uma edição especial sobre “The Dark Side of Innovation”, cujo prazo para envio foi estendido para 6 de janeiro de 2019 (para ver o texto completo e as referências, clique aqui)
 A ideia central é desmistificar o discurso fácil de euforia de que a inovação é sempre boa e por isso se apresenta como um caminho infalível. A verdade é que a inovação é inerentemente incerta e algumas inovações podem mesmo impor custos imprevisíveis à empresa, à sociedade e, até mesmo, ao meio-ambiente e que alguns aspectos normalmente ignorados nas análises sobre inovação, tais como a necessidade de uma abordagem mais cautelosa (princípio da precaução), mais ética e mesmo a influencia do poder lobista das grandes empresas, precisam ser considerados.
O Call for papers destaca que o excesso de entusiasmo por novas tecnologias costuma negligenciar seus efeitos de longo prazo. Um exemplo apresentado diz respeito aos carros elétricos, uma inovação praticamente consensual nos dias de hoje, mas cujos custos ambientais das baterias, decorrentes da mineração necessária e de seu descarte após o uso, raramente são citados.
Ainda de acordo com o Call for papers, o desenvolvimento tecnológico, além de reforçar alguns problemas atuais bem conhecidos, pode assumir novas formas, como mais poluição, mais lixo eletrônico ou, até mesmo, algoritmos de IA que perpetuam o racismo e atitudes de discriminação fundamentadas no gênero. Outras conseqüências negativas das inovações citadas são a mudança climática, a desigualdade (econômica), o desemprego tecnológico e a chamada hipercompetição, que leva ao estresse dos funcionários e consequentemente de nós todos, além de problemas ainda inexplicáveis, ​​que são cada vez mais importantes nas sociedades industrializadas, como aumento dos casos de asma, aumento das anafilaxias (reações alérgicas graves, possivelmente fatais) e a diminuição secular na contagem de espermatozoides masculinos,  por exemplo.  
São citados ainda alguns efeitos negativos que parecem mais específicos das novas tecnologias e à forma como as economias (e as sociedades) vêm se transformando: a segurança cibernética, as notícias falsas, a erosão da privacidade, o excesso de monitoramento do governo e o declínio da democracia são novas ameaças trazidas pela revolução digital, bem como efeitos de rede, monopólios digitais (por exemplo, Google e Facebook), problemas causados ​​por um sistema de patentes defeituoso e falta de concorrência nos mercados globais, que podem sufocar a Destruição Criativa. 
No entanto, como bem alerta o Call for papers, as novas tecnologias não são apenas digitais. Novos aditivos artificiais, hormônios e nanotecnologias nas indústrias de alimentos e saúde são apenas os exemplos mais visíveis de outras indústrias, com possíveis efeitos colaterais prejudiciais não intencionais.   
Essas verdades inconvenientes precisam ser abordadas de frente. Reconhecer que a inovação pode vir com riscos associados e conseqüências não intencionais é um passo necessário para uma abordagem mais responsável, afirma o Call for papers.
Assim, esta edição temática deverá alertar para os perigos potenciais, para reconhecer os efeitos nocivos da inovação e para esclarecer as circunstâncias em que a inovação pode ser benéfica ou prejudicial para a sociedade.   
Forte abraço

2 comentários:

Ajudando a Sorte disse...

Interessante que é a segunda vez que, ao citar o resgate que os neoschumpeterianos fizeram das ideias de Schumpeter sobre a inovação, recebo um comentário de estar criticando-os. Espero que uma releitura apurada do meu texto esclareça que não estou atribuindo o oba-oba da inovação aos primeiros autores neoschumpeterianos e nem mesmo que ao criticar o hoje existente mantra da inovação como panacéia eu esteja desprezando a importância da “competência para inovar”. A inovação, por mais benvinda que seja, exige análise crítica (relativo a comentário feito no Facebook, a esta postagem).

Fernando Goldman disse...

Você parece não acreditar muito em coisas tais como “perda da biodiversidade mundial”, “colapso de ecosistemas” e “mudanças climáticas”. Talvez você devesse analisar se acredita realmente em inovações ou apenas em mais do mesmo capitalismo alavancado sem compromisso com o futuro (relativo a outro comentário feito no Facebook, a esta postagem)..