Prezados
Joseph Alois Schumpeter (1883-1950), o
teórico da "Destruição Criativa", foi um dos maiores economistas do
século XX e ficou famoso por sua elaborada teoria, que reconhece o empreendedor e a inovação
como elementos que sustentam o sistema capitalista e o sujeitam a ciclos de
crescimento e implosão. Na década de 1980, os economistas evolucionários
neoschumpeterianos resgataram as ideias de Schumpeter sobre a inovação e a
partir daí foi um oba-oba generalizado, que vem aprofundando as confusões conceituais
sobre diferentes tipos de inovação e como elas interagem com as tecnologias
resultantes.
Noutro dia, minha sobrinha me disse que a
amiga dela é “totalmente disruptiva” e eu até agora não sei se isso é bom ou
ruim.
Em contraposição a esse brado generalizado na
imprensa popular, e mesmo na academia, de que “inovar é primordial”, o periódico acadêmico Industry
and Innovation está com uma Call for
Papers para uma edição especial sobre “The Dark Side of Innovation”, cujo
prazo para envio foi estendido para 6 de janeiro de 2019 (para ver o texto
completo e as referências, clique aqui)
A ideia central é desmistificar
o discurso fácil de euforia de que a inovação é sempre boa e por isso se
apresenta como um caminho infalível. A verdade é que a inovação é inerentemente incerta e algumas
inovações podem mesmo impor custos imprevisíveis à empresa, à sociedade e, até
mesmo, ao meio-ambiente e que alguns aspectos normalmente ignorados nas
análises sobre inovação, tais como a necessidade de uma abordagem mais cautelosa
(princípio da precaução), mais ética e mesmo a influencia do poder lobista das
grandes empresas, precisam ser considerados.
O Call for
papers destaca que o excesso de entusiasmo por novas tecnologias costuma
negligenciar seus efeitos de longo prazo. Um exemplo apresentado diz respeito aos
carros elétricos, uma inovação praticamente consensual nos dias de hoje, mas
cujos custos ambientais das baterias, decorrentes da mineração necessária e de
seu descarte após o uso, raramente são citados.
Ainda de acordo com o Call for papers, o desenvolvimento tecnológico, além de reforçar alguns
problemas atuais bem conhecidos, pode assumir novas formas, como mais poluição,
mais lixo eletrônico ou, até mesmo, algoritmos de IA que perpetuam o racismo e atitudes
de discriminação fundamentadas no gênero. Outras conseqüências negativas
das inovações citadas são a mudança climática, a desigualdade (econômica), o desemprego
tecnológico e a chamada hipercompetição, que leva ao estresse dos funcionários
e consequentemente de nós todos, além de problemas ainda inexplicáveis, que
são cada vez mais importantes nas sociedades industrializadas, como aumento dos casos de asma, aumento das anafilaxias (reações alérgicas graves, possivelmente fatais) e a diminuição secular na contagem de
espermatozoides masculinos, por exemplo.
São citados ainda alguns efeitos negativos que parecem
mais específicos das novas tecnologias e à forma como as economias (e as
sociedades) vêm se transformando: a segurança cibernética, as notícias falsas,
a erosão da privacidade, o excesso de monitoramento do governo e o declínio da
democracia são novas ameaças trazidas pela revolução digital, bem como efeitos
de rede, monopólios digitais (por exemplo, Google e Facebook), problemas
causados por um sistema de patentes defeituoso e falta de concorrência nos
mercados globais, que podem sufocar a Destruição Criativa.
No entanto, como bem alerta o Call for papers, as novas tecnologias não são apenas digitais. Novos
aditivos artificiais, hormônios e nanotecnologias nas indústrias de alimentos e
saúde são apenas os exemplos mais visíveis de outras indústrias, com possíveis efeitos
colaterais prejudiciais não intencionais.
Essas verdades inconvenientes precisam ser
abordadas de frente. Reconhecer que a inovação pode vir com riscos
associados e conseqüências não intencionais é um passo necessário para uma
abordagem mais responsável, afirma o Call
for papers.
Assim, esta edição temática deverá alertar para os
perigos potenciais, para reconhecer os efeitos nocivos da inovação e para
esclarecer as circunstâncias em que a inovação pode ser benéfica ou prejudicial
para a sociedade.
Forte abraço
2 comentários:
Interessante que é a segunda vez que, ao citar o resgate que os neoschumpeterianos fizeram das ideias de Schumpeter sobre a inovação, recebo um comentário de estar criticando-os. Espero que uma releitura apurada do meu texto esclareça que não estou atribuindo o oba-oba da inovação aos primeiros autores neoschumpeterianos e nem mesmo que ao criticar o hoje existente mantra da inovação como panacéia eu esteja desprezando a importância da “competência para inovar”. A inovação, por mais benvinda que seja, exige análise crítica (relativo a comentário feito no Facebook, a esta postagem).
Você parece não acreditar muito em coisas tais como “perda da biodiversidade mundial”, “colapso de ecosistemas” e “mudanças climáticas”. Talvez você devesse analisar se acredita realmente em inovações ou apenas em mais do mesmo capitalismo alavancado sem compromisso com o futuro (relativo a outro comentário feito no Facebook, a esta postagem)..
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