quarta-feira, 26 de março de 2008

Contar histórias: prática pouco comum

Por Marcus Tavares

matéria disponível em http://www.multirio.rj.gov.br/portal/riomidia/rm_materia_conteudo.asp?idioma=1&v_nome_area=Materias&idMenu=3&label=Materias&v_id_conteudo=70675

Personagem de Monteiro Lobato, Dona Benta, para muitas gerações, foi e ainda é o ícone da avó carinhosa que instiga as crianças com suas fábulas. No Sítio do Pica-Pau Amarelo, longe de todas as tecnologias e atrações do mundo moderno, as histórias transportavam Pedrinho, Narizinho e a turma da Emília para aventuras mirabolantes. As narrativas ganhavam vida própria. E a imaginação era apenas o primeiro passo. Há muito tempo, o dia-a-dia bucólico do Sítio não encontra mais eco nas grandes cidades. O dia é curto para tantos compromissos, afazeres e responsabilidades. O que dirá para o espaço dedicado às histórias?
Não há estatísticas, mas escritores, professores e pesquisadores afirmam que contar histórias tornou-se uma prática pouco comum no cotidiano das famílias. “Embora as crianças continuem precisando de histórias para ver mais sentido na vida”, afirma Gilka Girardello, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenadora do projeto Ateliê da Aurora.
De acordo com Gilka, se a família já não conta mais histórias, as crianças vão buscá-las em outros lugares: na televisão, na internet, nos livros, com os amigos ou na hora do recreio. Para a professora, nenhum desses meios é essencialmente bom ou mau enquanto forma de transmissão de narrativas, mas nenhum também substitui o valor do encontro. “Muito menos do laço de afeto entre a mãe e as crianças. Entre o pai e o menino na beira da cama ou no sofá da sala, onde o adulto escolhe aquela história certinha para a criança que ama, do jeito que ela precisa”, destaca.
Para Eliana Yunes, professora do Departamento de Letras da PUC-Rio, ao deixar de contar histórias, perde-se o calor da voz, o olho no olho, a troca de palavras depois da narração que ocorria entre os mais velhos e os mais novos, “como ilustra Lobato com sua Emília interagindo com Dona Benta”.
A intimidade e a cumplicidade que as histórias proporcionam a adultos e crianças são insubstituíveis e cada vez mais necessárias. Na avaliação do escritor Bartolomeu Gomes de Queirós, quando o pai ou a mãe contam uma história para o filho, além de deixar vir à tona as fantasias, eles estão, na prática, dedicando um tempo precioso aos filhos. “A presença afetiva e concreta de quem a criança ama, ao seu lado e só para ela, suplanta as demais funções da história. Quando a criança pede uma história, eu escuto ela dizer: fica comigo”.

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