terça-feira, 29 de novembro de 2011

Belo Monte, decisão técnica ou política?


Prezados
Recebi três mensagens trazendo argumentações contra o vídeo dos artistas da Globo, sobre Belo Monte, que mostrei na postagem de 20.11.2011.
A primeira, em um vídeo, com argumentos um tanto ingênuos, postado no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=JhYd48tQav4&feature=youtu.be
A segunda, traz um texto assinado por Delfim Neto, que pode ser classificado como terrorismo ingênuo. Afinal, como a construção de uma enorme usina subaproveitada vai inibir a ganância de outros povos por nossa água?
A terceira, traz um comentário do blog de um tal de Reinaldo Azevêdo, que se apresenta como inimigo do PT, da Dilma e do projeto de Belo Monte, mas faz considerações que tornam difícil imaginar que sua apresentação esteja totalmente correta. Acho que ele é inimigo mesmo é da Globo e da Maitê Proença.
Todas três mensagens tentam convencer a quem as acesse, de forma um tanto áspera, que o tal vídeo dos artistas globais dizia um monte de bobagens ou premeditadas inverdades.
Vou me ater aos dados e informações sobre o emprendimento de Belo Monte e evitar considerações de ordem pessoal a este ou a
àquele artista. Infelizmente o vídeo dos artistas da Globo está certo em vários pontos quando questiona Belo Monte como decisão política.
Chamar os artistas da Globo de Magdos e Magdas não muda o caráter da decisão tomada.  Não é minha intenção me envolver nesta discussão e por isso não vou discutir ponto por ponto da questão Belo Monte, mas acho importante que se esclareçam alguns pontos, sem passionalidades e terrorismos ingênuos.
O primeiro ponto importante de ser esclarecido passa pela definição – vejam bem! trata-se de uma definição, eu diria política, ou seja, que depende dos interesses envolvidos – se energia hidrelétrica proveniente de usinas de grande porte deve ou não ser considerada fonte de energia limpa. Belo Monte será a terceira maior hidrelétrica do mundo em capacidade instalada, não restando dúvidas de que se trata de uma usina de grande porte.
É importante notar que tal definição deveria ser e é independente de se a usina vai ser construída no meio da Floresta Amazônica. Independente do seu caráter concentrador de renda. Independente de se o projeto é viável economicamente ou não. Independente se os 25 bilhões de reais inicialmente previstos para sua construção poderiam ser usados de forma muito mais sábia para o desenvolvimento de tecnologia genuinamente nacional e por aí vai.
Segundo o documento "Green Investing Towards a Clean Energy Infrastructure" do Fórum Econômico Mundial (2009) 'o investimento em energia limpa deve ser definido como o investimento em energia renovável e tecnologia de eficiência energética, porém  excluindo a energia nuclear e as grandes hidrelétricas'.
As razões porque a energia nuclear não deve ser considerada energia limpa, embora não gere um único centímetro cúbico de fumaça, carbono portanto, me parecem óbvias demais para precisarem aqui de alguma análise.
Quanto às hidrelétricas de grande porte, que também não geram fumaça, a discussão pode ser estendida, dependendo dos interesses envolvidos. Se você está a serviço dos interesses dos que constróem barragens - vou evitar a palavra "empreiteros", para não ficar pesado - ou a serviço dos fornecedores de equipamentos elétricos de grande porte, nenhum deles desenvolvido no Brasil, embora alguns até sejam fabricados aqui, por uma questão de logística favorável, talvez você não ache conveniente usar a definição do Fórum Econômico Mundial. Paciência.  
Seria conveniente, no entanto, lembrar que a busca de energia limpa está diretamente associada ao conceito de sustentabilidade, que, por princípio, significa que o uso dado a determinado recurso no presente não impedirá seu uso no futuro.
Quando se constrói uma grande hidrelétrica, isto significa um impacto ambiental numa área muito maior do que a do reservatório, impacto este que precisa ser avaliado antes e monitorado depois para ver os resultados. Quando se faz isto em um ambiente tão complexo quanto a Floresta Amazônica, com suas múltiplas interações, abre-se mão do Princípio da Precaução e adota-se a postura do 'vamos fazer para ver o que é vai dar'. Não há resultados garantidos visto que se está falando de uma decisão tomada em contexto de incerteza ( não de risco) e racionalidade limitada e que em casos assim, só os idiotas acreditam no óbvio.
Por exemplo, pode parecer óbvio que um lago com 0,019% da área da parte brasileira da floresta deve não ter impacto ambiental nenhum e um lago com 0,34% causaria um estrago vinte vezes maior, ou seja, nenhum impacto, pois vinte vezes nenhum resultaria em nenhum impacto. Temos aqui um belo exemplo do raciocínio linear cartesiano, tão útil para analisar impactos ambientais quanto a estatística para prever o resultado de uma partida de futebol. Estamos falando de fenômenos emergentes associados à Teoria da Complexidade, onde nada é tão óbvio quanto possa parecer.
Já no terreno da propaganda, dos comentários dos links lá do início desta postagem, , muito menos complexo, é óbvia a presença de um dedo dos interesses do rolo compressor da solução hidrelétrica centralizada, ou seja, da contrução de Usinas Hidrelétricas de grande porte - implicando na implantação grandes sistemas de transmissão de energia e o redimensionamento, com consequente troca, de muitos dos equipamentos já existentes.
Parece haver a vontade de desqualificar a opinião de qualquer um que não seja favorável ao empreendimento. Afinal, Belo Monte não será ruim para todos. Se os interessados em ver o projeto sair do papel chamam de Magdos e Magdas a atores de reconhecimento nacional, como alguns dos do vídeo, só porque estão convidando as pessoas a discutirem outras possíveis soluções, imaginem o que fariam com os simples mortais.
É importante entender que por trás da discussão de se os artistas da Globo têm o direito de se manifestar sobre um assunto, que parece muito técnico, está a decisão política, que afeta a todos nós, de se manter o paradigma já exaurido da Geração Centralizada em detrimento de abraçarmos um novo paradigma de planejamento energético, Geração Distribuída e Eficiência Energética, capaz de propiciar ao Brasil o catching-up tecnológico na transição da humanidade para uma Economia de Baixo Carbono.
A decisão política que estamos tomando é se chegaremos a esta nova economia como atores, com nossas próprias tecnologias, ou como espectadores com nossas grandes e ultrapassadas hidrelétricas, por mais modernas que elas possam parecer aos desinformados sobre o tema tecnologia.
Se os globais não têm o direito de se manifestarem, imagine-se o cidadão comum.
Forte abraço
Fernando Goldman

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