sábado, 3 de setembro de 2011

P&D e a Criação do Conhecimento Organizacional

Prezados


Provoca-me certo espanto notar que até hoje muita gente boa, ou seja, gente bem qualificada, ainda identifica o posicionamento estratégico da empresa e os investimentos em P&D* daí decorrentes, como condição suficiente para a criação de conhecimento organizacional.

Na minha opinião, é um equívoco estabelecer uma relação única e direta entre a criação de conhecimento organizacional e P&D, tanto do ponto de vista prático como do conceitual.

A ênfase em P&D tende a se apoiar em uma visão da inovação que enfatiza a mudança técnica, ou seja, a descoberta de novos princípios científicos ou técnicos como o ponto de partida do processo de inovação, em uma abordagem muitas vezes chamada de "modelo linear" da inovação**.

Neste modelo, hoje facilmente percebido como bastante simplificado, novos conhecimentos advindos da pesquisa científica levariam a atividades de P&D resultando, ao final da cadeia, na introdução de produtos e processos comercializáveis.

Esta abordagem vê a inovação como um conjunto sequencial de fases com origem na pesquisa e é essa visão da pesquisa como origem que convida ao uso das atividades de P&D como um indicador confiável para avaliação da intensidade de conhecimento envolvida na atividade da empresa. No entanto, é possível identificar empresas e ramos de atividades com baixos índices de investimento em P&D e altos níveis de criação de conhecimento organizacional.

Do ponto de vista prático, as definições de P&D no Manual de Frascati da OCDE, que estruturavam a coleta de dados sobre inovação nas economias da OCDE, excluiam uma ampla gama de atividades, que envolviam a criação ou uso de novos conhecimentos.

Por outro lado, as modernas teorias sobre a inovação, por exemplo, a Teoria da Criação do Conhecimento Organizacional, que vem sendo construída por Nonaka e seus coautores, durante mais de vinte anos, vêem a inovação como a criação de conhecimento organizacional, que é uma maneira muito mais ampla de ver a inovação. Um fator chave para melhor lidar com a inovação é entender que ela não se baseia na descoberta, mas no aprendizado (learning), em especial, o aprendizado representado pela criação de conhecimento organizacional.

O Aprendizado Organizacional não implica necessariamente na descoberta de novos princípios técnicos ou científicos, podendo basear-se em atividades que combinam, recombinam ou adaptam as formas existentes de conhecimento, o que por sua vez implica, por exemplo, que as atividades de design e as tentativas de aperfeiçoamento (normalmente na forma de experimentações de engenharia) podem ser importantes atividades criadoras de conhecimento.

Um outro fator chave na visão mais atual da inovação diz respeito à análise do ambiente externo da empresa. Empresas influenciam e são influenciadas por seus ambientes e interagem com outros arranjos organizacionais em uma ampla gama de maneiras, que incluem, por exemplo, a compra de bens intermediários ou de capital, em processos de tomade de decisões que incorporam condições para criação do conhecimento pelas pessoas e, consequentemente, para criação de conhecimento organizacional.

A instalação e operação de novas máquinas e equipamentos é também parte do processo de criação de conhecimento organizacional. Outro exemplo é a compra de licenças de utilização de conhecimentos protegidos.

Finalmente, é fundamental para a inovação que as empresas interajam com seus mercados. A exploração e compreensão dos mercados possibilitam obter informações para a criação de novos produtos, processos e serviços.

Esses pontos são apenas alguns que implicam em uma visão mais complexa da inovação, em que as idéias sobre o comportamento dos mercados são um pano de fundo para a recombinação e criação de conhecimento através de uma série de atividades, dentre as quais P&D seria importante, sim, mas tenderia a ser vista como uma atividade de resolução de problemas no contexto de processos de inovação, em vez de um ato inicial da descoberta. (SMITH, 2000)

Forte abraço

Fernando Goldman

* Talvez possa parecer desnecessário, mas vale a pena, antes de prosseguir esta análise, lembrar que a sigla P&D significa Pesquisa Aplicada e Desenvolvimento Experimental, coisa que, embora trivial, é muitas vezes esquecida ou desconsiderada.

** Para uma interessante discussão sobre a ideia de ‘modelo linear’ de inovação, ver o artigo: CONDE, M. V. F. ; ARAÚJO-JORGE, T. C. Modelos e concepções de inovação: a transição de paradigmas, a reforma da C&T brasileira e as concepções de gestores de uma instituição pública de pesquisa em saúde, Ciência & Saúde Coletiva, v. 8, n. 3, p. 727-741, 2003, disponível em:

http://www.scielo.br/pdf/csc/v8n3/17453.pdf.

SMITH, K. What is the ‘knowledge economy’? Knowledge-intensive industries and distributed knowledge bases. STEP Group, 2000.

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