domingo, 18 de setembro de 2011

Um papo sobre Informação e Conhecimento

Prezados



Uma amiga, de muitos anos, viu uma chamada para este blog que fiz no Facebook e resolveu saber um pouco mais sobre Gestão do Conhecimento, assunto sobre o qual ela se confessa completamente leiga. Através do chat do Facebook, ela me fez algumas perguntas bem interessantes e me autorizou a usar nosso chat como uma postagem deste blog, embora eu prefira preservá-la e, por isto, a citarei apenas como ‘Marisa’:


Marisa - ...por falar nisso, qual é a teoria de Polanyi?


Fernando Goldman - Polanyi foi um cientista que aos cinquenta e tantos anos resolveu se dedicar à filosofia. Ele estudou a Filosofia do Conhecimento, ou seja , a Epistemologia. A Epistemologia de Polanyi se opõe ao Positivismo da Ciência. O Positivismo da Ciência, falando de uma forma bem simplificada, diz que só é ciência se for baseado apenas em fatos concretos...não podendo ser contaminada pelas crenças pessoais e valores do cientista.


Polanyi lançou a ideia de que todo conhecimento tem uma dimensão pessoal, o conhecimento tácito, ou seja, é impossível que a ciência não seja influenciada por quem a faz. Ok?


Marisa - Também acho. Esse cara ainda está vivo?


Fernando Goldman - Não. Morreu em 1976.


Marisa - É americano?


Fernando Goldman - Era húngaro. Veja http://en.wikipedia.org/wiki/Michael_Polanyi


Marisa - A gente, então, pode dizer que o conhecimento explícito é na verdade informação?


Fernando Goldman - A rigor, não. Segundo a Epistomologia de Polanyi, o conhecimento é uma capacitação de ação eficaz presente somente nos seres humanos. O conhecimento, que é dinâmico, está sempre em construção, é parte tácito e parte explicitável. A parte explicitável, quando explicitada, deixa de ser dinâmica, ficando estática e se transformando em informação, independente do agente humano que a formulou. Faz sentido?


Marisa - Ok! Mas você disse anteriormente que a rigor conhecimento explicito não é informação...mas acabou dizendo que são na sua última explicação...daí não entendi...


Fernando Goldman - Veja só. O conhecimento que é explicitável pode ser transformado em informação. Depois que virou informação, torna-se estático e independente de quem o produziu. Assim, conhecimento explícito e informação não são a mesma coisa. Um é dinâmico e pertence a um ser humano. O outro é estático e pode ser acessado por qualquer um.


Este qualquer um só poderá construir um conhecimento a partir da informação, se tiver um conhecimento tácito que o habilite a fazê-lo. Assim, quando alguém olha para um livro e diz que ele está cheio de conhecimento, não está seguindo a Epistemologia de Polanyi. Para Polanyi, um livro estaria cheio de informações. Mas não poderia conter nenhum conhecimento, visto que só os seres humanos têm conhecimento.


Parece só um jogo de palavras, mas é uma conceituação importante, pois muita gente joga dinheiro fora acreditando ser possível fazer "repositórios de conhecimento".


Marisa - ham...você então tá me dizendo que o conhecimento explicito seria uma organização das informações possibilitado pelo conhecimento tácito de alguém?


Fernando Goldman - Não. ainda não é bem isto.


Marisa - e que as informações só se tornarão conhecimento se passar pelo crivo científico (conhecimento tácito) de algum profissional?


Fernando Goldman - Bem, antes de tudo, é muito importante que você entenda que o conhecimento é construído individualmente por cada pessoa, com as informações que ela tem de sua comunidade.


Marisa - ham...


Fernando Goldman - Ou seja, o conhecimento é uma construção individual.


Marisa - haha


Fernando Goldman - Imagine uma pessoa ‘A’, que tem a habilidade de fazer alguma coisa.


Marisa - hãhã


Fernando Goldman - esta habilidade de fazer alguma coisa constitui um conhecimento...


Marisa - ou um talento?


Fernando Goldman - ...o qual ela construiu a partir das informações disponíveis na comunidade epistemológica da qual ela faz parte. E também a partir dos modelos mentais que ela construiu ao longo das experiências de sua vida. Agora imagine esta pessoa ‘A’ quer ensinar a uma outra pessoa ‘B’ aquela habilidade.


De imediato ela podera passar para a pessoa ‘B’ uma série de informações que são claramente necessárias para aquele conhecimento. Não existe nenhum meio de transferência direta de conhecimento entre dois seres humanos.


Marisa - ham...


Fernando Goldman - ham... signifique que concorda ou não?


Marisa - professor e aluno não é uma transferencia direta?


Fernando Goldman - Normalmente não é nem uma transferência de conhecimento.


Marisa - Transferência direta seria ligar um cabo e descarregar informações? kkk


Fernando Goldman - Repare que você está misturando informação e conhecimento. Não há nenhum recurso, tal como um cabo, que permita ligar dois seres humanos e transferir diretamente conhecimento entre eles. Toda transferência de conhecimento é feita de forma indireta, com uma etapa intermediária de transferência de informações.


Marisa – Ok!


Fernando Goldman - Primeiro a pessoa ‘A’, de boa vontade, gera o máximo de informações que julga necessárias à execução do trabalho. A pessoa ‘B’ recebe estas informações e dependendo de seus modelos mentais, de sua percepção, enfim de seu conhecimento tácito, consegue, ou não, decodificar as informações recebidas e através delas construir seu próprio conhecimento. O conhecimentoi construido pela pessoa ‘B’ nunca será igual ao da pessoa ‘A’.


Marisa - Nisso concordo...porque cada uma delas tem o seu próprio conhecimento tácito.


Fernando Goldman - Normalmente, o conhecimento construido pela pessoa ‘B’, a partir de informações, pode não ser suficiente para que ela alcance a habilidade necessária à tarefa.


Pode ser e normalmente é necessário que a pessoa ‘A’ interaja com a pessoa ‘B’ o suficiente para ‘B’ observar como ‘A’ se comporta, como reage às situações de forma que seus modelos mentais se aproximem. É o velho processo de mestre-aprendiz.


Marisa - Estágio...


Fernando Goldman - Estágio pode ser uma etapa importante do processo de construção de conhecimento de um jovem profissional. Peter Senge dá um exemplo muito interessante de uma estudante de direito que frequentou a escola durante cinco anos, mas só depois de formada e trabalhando com outros advogados é que começa a se comportar como uma advogada.


Na faculdade de Engenharia eu tive a oportunidade de pegar um período de transiçãoem que metade dos professores eram antigos engenheiros e metade eram acadêmicos com doutorado, mas que nunca trabalharam. Foram os antigos engenheiros que mais contribuiram para eu entender o que é fazer Engenharia. Os ensinamentos dos outros, eu poderia ter lido em livros o que eles queriam ensinar.


Marisa - Entendi... pode-se então dizer que é na prática que a informação se torna conhecimento...


Fernando Goldman - Não. Ainda não é bem isso. Depois que a pessoa ‘B’ tiver construido conhecimento suficiente para atuar, ela vai aperfeiçoar este conhecimento no que é chamado por Nonaka, no âmbito organizacional, de Internalização, uma espécie de ‘learning by doing’, embora este termo tenha um significado mais abrangente entre os economistas. Esta pessoa ‘B’ vai construir um novo conhecimento, diferente do da pessoa ‘A’ e no futuro uma pessoa ‘C’ poderá aprender com a pessoa ‘A’, com a pessoa ‘B’ ou com as duas ao mesmo tempo.


Repare que eu estou te descrevendo um processo social. Um dos erros mais comuns é tentar fazer esta análise com se fosse um processo individual. São individuos construindo conhecimento individual dentro de um contexto social.


Marisa - É o que acontece natualmente nas faculdades hoje.


Fernando Goldman - ?


Marisa - Não é assim que se formam os profissionais? Com várias matérias direcionadas para um mesmo fim?


Fernando Goldman - Repare : a escola, faculdade ou universidade dá ao inviduo uma série de informações e até mesmo algumas habilidades específicas. Na linguagem leiga dizemos que um individuo vai à escola e obtém conhecimento.


Marisa - Mas na verdade ele tá recebendo informações...


Fernando Goldman - Na linguagem sócio-construtivista dizemos que um aluno vai à escola para obter informações e habilidades, que lhe possibilitarão construir seu conhecimento.


Eu e Marisa paramos por aqui, porque este papo leva horas na prática. Muito obrigado à Marisa pela paciência e pelas inteligentes perguntas.


Forte abraço


Fernando Goldman

sábado, 17 de setembro de 2011

A inovação e o correto entendimento das dimensões tácita e explícita do Conhecimento

Prezados

Um tema sobre o Conhecimento Organizacional, que está sempre presente nas discussões sobre como as empresas criam modelos de negócios inovadores diz respeito ao correto entendimento das dimensões tácita e explícita do Conhecimento.
O Conhecimento Explícito, como tem sido largamente discutido neste Blog, é objetivo, organizado e estruturado, podendo ser disponibilizado em documentos, bases de dados, vídeos de treinamento e outros canais, tradicionais ou não, de compartilhamento de informações.
Vale sempre lembrar, por mais repetitivo que possa parecer, que o conhecimento, segundo a Epistemologia de Polanyi, só existe nos seres humanos. Logo, quando disponibilizado em qualquer dos meios acima, o Conhecimento assume a forma de informação.
Já o Conhecimento Tácito é subjetivo, sendo principalmente baseado na vivência. Ele está incorporado
nas pessoas na forma de memórias, modelos mentais, impressões, know-how prático, etc.
Porém, o mais importante de tudo é o entendimento de que apesar de usualmente falarmos em Conhecimento Explícito e em Conhecimento Tácito, não se tratam de dois tipos de conhecimento com existência independente. São, na verdade, duas dimensões do mesmo conhecimento.
O quadro acima resume estas ideias. Basta clicar sobre ele, para vê-lo com melhor resolução.
Forte abraço
Fernando Goldman

domingo, 11 de setembro de 2011

Por que é tão difícil falar sobre Nonaka?

Prezados


Quando digo que estudo a Dinâmica do Conhecimento Organizacional, tenho muita dificuldade de interagir com algumas pessoas que se dizem interessadas em Gestão do Conhecimento.


Parece que o significado da palavra ‘dinâmica’ não é muito bem compreendido pelas pessoas. Na verdade, o Conhecimento Organizacional é menos compreendido ainda.


Quando digo que estudo a Dinâmica do Conhecimento Organizacional, significa dizer que estudo as forças que causam sua mudança com o tempo. Há aqui, portanto, o reconhecimento implícito de que o Conhecimento Organizacional varia com o tempo, ou seja, é dinâmico.


Outra dificuldade que enfrento é quando falo que apoio meus estudos na Teoria da Criação do Conhecimento Organizacional (TCCO), que Ikujiro Nonaka e seus diferentes coautores vêm construindo há mais de vinte anos, em trabalhos acadêmicos, publicados, em inglês, em periódicos de grande respeitabilidade internacional.


Certamente não se entende a TCCO consultando a Wikipédia (ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Ikujiro_Nonaka).


A TCCO não é, como muitos imaginam, uma teoria sobre Gestão do Conhecimento. É uma teoria sobre a Inovação.


Para Nonaka, o processo de inovação não é simplesmente um processamento de informações – como entende o mainstream da Economia. Para ele, a inovação é um processo em que uma empresa cria conhecimento.


Nonaka ao entrevistar pessoas em empresas inovadoras, percebeu que as conversas sempre começavam sobre suas crenças. As crenças - as imagens do mundo, os modelos mentais - são subjetivas. Nonaka percebeu que aquelas pessoas tentavam o tempo todo converter suas crenças subjetivas em uma linguagem objetiva. Elas também tentavam justificá-las dentro de suas empresas e finalmente realizá-las de uma forma concreta. Assim, para Nonaka, todo o processo de inovação tem origem nas crenças subjetivas da pessoas.


Como é largamente sabido, no paradigma de Herbert Simon sobre processamento de informações se tenta separar fatos e valores. Problemas de valor são sempre evitados em "ciência", que teria de ser baseada em fatos. Assim, em sua teoria, Simon intencionalmente exclui problemas de valor. Ele trata o valor como um dado, porque é subjetivo. O processamento de informações exclui as nossas crenças e imagens da realidade. Mas uma inovação vem exatamente de uma crença subjetiva ou de uma imagem do mundo.


Inicialmente, Nonaka tentou diferenciar dois tipos de informação: a sintática e a semântica. Em um primeiro passo, Nonaka tentou trocar o processamento de informações pela criação de informações. Com isto em mente, continuou sua pesquisa sobre o processo de inovação e descobriu que a criação de informação não seria suficiente. Finalmente, Nonaka propôs a idéia da criação de Conhecimento Organizacional como o elemento que possibilita a inovação.


Assim, para a TCCO, a inovação é fruto da criação de Conhecimento Organizacional, o que possibilita enfrentar o problema de entender a inovação no ambiente organizacional de uma forma muito mais efetiva do que até então.

Voltarei ao assunto.


Forte abraço


Fernando Goldman

sábado, 3 de setembro de 2011

P&D e a Criação do Conhecimento Organizacional

Prezados


Provoca-me certo espanto notar que até hoje muita gente boa, ou seja, gente bem qualificada, ainda identifica o posicionamento estratégico da empresa e os investimentos em P&D* daí decorrentes, como condição suficiente para a criação de conhecimento organizacional.

Na minha opinião, é um equívoco estabelecer uma relação única e direta entre a criação de conhecimento organizacional e P&D, tanto do ponto de vista prático como do conceitual.

A ênfase em P&D tende a se apoiar em uma visão da inovação que enfatiza a mudança técnica, ou seja, a descoberta de novos princípios científicos ou técnicos como o ponto de partida do processo de inovação, em uma abordagem muitas vezes chamada de "modelo linear" da inovação**.

Neste modelo, hoje facilmente percebido como bastante simplificado, novos conhecimentos advindos da pesquisa científica levariam a atividades de P&D resultando, ao final da cadeia, na introdução de produtos e processos comercializáveis.

Esta abordagem vê a inovação como um conjunto sequencial de fases com origem na pesquisa e é essa visão da pesquisa como origem que convida ao uso das atividades de P&D como um indicador confiável para avaliação da intensidade de conhecimento envolvida na atividade da empresa. No entanto, é possível identificar empresas e ramos de atividades com baixos índices de investimento em P&D e altos níveis de criação de conhecimento organizacional.

Do ponto de vista prático, as definições de P&D no Manual de Frascati da OCDE, que estruturavam a coleta de dados sobre inovação nas economias da OCDE, excluiam uma ampla gama de atividades, que envolviam a criação ou uso de novos conhecimentos.

Por outro lado, as modernas teorias sobre a inovação, por exemplo, a Teoria da Criação do Conhecimento Organizacional, que vem sendo construída por Nonaka e seus coautores, durante mais de vinte anos, vêem a inovação como a criação de conhecimento organizacional, que é uma maneira muito mais ampla de ver a inovação. Um fator chave para melhor lidar com a inovação é entender que ela não se baseia na descoberta, mas no aprendizado (learning), em especial, o aprendizado representado pela criação de conhecimento organizacional.

O Aprendizado Organizacional não implica necessariamente na descoberta de novos princípios técnicos ou científicos, podendo basear-se em atividades que combinam, recombinam ou adaptam as formas existentes de conhecimento, o que por sua vez implica, por exemplo, que as atividades de design e as tentativas de aperfeiçoamento (normalmente na forma de experimentações de engenharia) podem ser importantes atividades criadoras de conhecimento.

Um outro fator chave na visão mais atual da inovação diz respeito à análise do ambiente externo da empresa. Empresas influenciam e são influenciadas por seus ambientes e interagem com outros arranjos organizacionais em uma ampla gama de maneiras, que incluem, por exemplo, a compra de bens intermediários ou de capital, em processos de tomade de decisões que incorporam condições para criação do conhecimento pelas pessoas e, consequentemente, para criação de conhecimento organizacional.

A instalação e operação de novas máquinas e equipamentos é também parte do processo de criação de conhecimento organizacional. Outro exemplo é a compra de licenças de utilização de conhecimentos protegidos.

Finalmente, é fundamental para a inovação que as empresas interajam com seus mercados. A exploração e compreensão dos mercados possibilitam obter informações para a criação de novos produtos, processos e serviços.

Esses pontos são apenas alguns que implicam em uma visão mais complexa da inovação, em que as idéias sobre o comportamento dos mercados são um pano de fundo para a recombinação e criação de conhecimento através de uma série de atividades, dentre as quais P&D seria importante, sim, mas tenderia a ser vista como uma atividade de resolução de problemas no contexto de processos de inovação, em vez de um ato inicial da descoberta. (SMITH, 2000)

Forte abraço

Fernando Goldman

* Talvez possa parecer desnecessário, mas vale a pena, antes de prosseguir esta análise, lembrar que a sigla P&D significa Pesquisa Aplicada e Desenvolvimento Experimental, coisa que, embora trivial, é muitas vezes esquecida ou desconsiderada.

** Para uma interessante discussão sobre a ideia de ‘modelo linear’ de inovação, ver o artigo: CONDE, M. V. F. ; ARAÚJO-JORGE, T. C. Modelos e concepções de inovação: a transição de paradigmas, a reforma da C&T brasileira e as concepções de gestores de uma instituição pública de pesquisa em saúde, Ciência & Saúde Coletiva, v. 8, n. 3, p. 727-741, 2003, disponível em:

http://www.scielo.br/pdf/csc/v8n3/17453.pdf.

SMITH, K. What is the ‘knowledge economy’? Knowledge-intensive industries and distributed knowledge bases. STEP Group, 2000.