Prezados
Uma amiga, de muitos anos, viu uma chamada para este blog que fiz no Facebook e resolveu saber um pouco mais sobre Gestão do Conhecimento, assunto sobre o qual ela se confessa completamente leiga. Através do chat do Facebook, ela me fez algumas perguntas bem interessantes e me autorizou a usar nosso chat como uma postagem deste blog, embora eu prefira preservá-la e, por isto, a citarei apenas como ‘Marisa’:
Marisa - ...por falar nisso, qual é a teoria de Polanyi?
Fernando Goldman - Polanyi foi um cientista que aos cinquenta e tantos anos resolveu se dedicar à filosofia. Ele estudou a Filosofia do Conhecimento, ou seja , a Epistemologia. A Epistemologia de Polanyi se opõe ao Positivismo da Ciência. O Positivismo da Ciência, falando de uma forma bem simplificada, diz que só é ciência se for baseado apenas em fatos concretos...não podendo ser contaminada pelas crenças pessoais e valores do cientista.
Polanyi lançou a ideia de que todo conhecimento tem uma dimensão pessoal, o conhecimento tácito, ou seja, é impossível que a ciência não seja influenciada por quem a faz. Ok?
Marisa - Também acho. Esse cara ainda está vivo?
Fernando Goldman - Não. Morreu em 1976.
Marisa - É americano?
Fernando Goldman - Era húngaro. Veja http://en.wikipedia.org/wiki/Michael_Polanyi
Marisa - A gente, então, pode dizer que o conhecimento explícito é na verdade informação?
Fernando Goldman - A rigor, não. Segundo a Epistomologia de Polanyi, o conhecimento é uma capacitação de ação eficaz presente somente nos seres humanos. O conhecimento, que é dinâmico, está sempre em construção, é parte tácito e parte explicitável. A parte explicitável, quando explicitada, deixa de ser dinâmica, ficando estática e se transformando em informação, independente do agente humano que a formulou. Faz sentido?
Marisa - Ok! Mas você disse anteriormente que a rigor conhecimento explicito não é informação...mas acabou dizendo que são na sua última explicação...daí não entendi...
Fernando Goldman - Veja só. O conhecimento que é explicitável pode ser transformado em informação. Depois que virou informação, torna-se estático e independente de quem o produziu. Assim, conhecimento explícito e informação não são a mesma coisa. Um é dinâmico e pertence a um ser humano. O outro é estático e pode ser acessado por qualquer um.
Este qualquer um só poderá construir um conhecimento a partir da informação, se tiver um conhecimento tácito que o habilite a fazê-lo. Assim, quando alguém olha para um livro e diz que ele está cheio de conhecimento, não está seguindo a Epistemologia de Polanyi. Para Polanyi, um livro estaria cheio de informações. Mas não poderia conter nenhum conhecimento, visto que só os seres humanos têm conhecimento.
Parece só um jogo de palavras, mas é uma conceituação importante, pois muita gente joga dinheiro fora acreditando ser possível fazer "repositórios de conhecimento".
Marisa - ham...você então tá me dizendo que o conhecimento explicito seria uma organização das informações possibilitado pelo conhecimento tácito de alguém?
Fernando Goldman - Não. ainda não é bem isto.
Marisa - e que as informações só se tornarão conhecimento se passar pelo crivo científico (conhecimento tácito) de algum profissional?
Fernando Goldman - Bem, antes de tudo, é muito importante que você entenda que o conhecimento é construído individualmente por cada pessoa, com as informações que ela tem de sua comunidade.
Marisa - ham...
Fernando Goldman - Ou seja, o conhecimento é uma construção individual.
Marisa - haha
Fernando Goldman - Imagine uma pessoa ‘A’, que tem a habilidade de fazer alguma coisa.
Marisa - hãhã
Fernando Goldman - esta habilidade de fazer alguma coisa constitui um conhecimento...
Marisa - ou um talento?
Fernando Goldman - ...o qual ela construiu a partir das informações disponíveis na comunidade epistemológica da qual ela faz parte. E também a partir dos modelos mentais que ela construiu ao longo das experiências de sua vida. Agora imagine esta pessoa ‘A’ quer ensinar a uma outra pessoa ‘B’ aquela habilidade.
De imediato ela podera passar para a pessoa ‘B’ uma série de informações que são claramente necessárias para aquele conhecimento. Não existe nenhum meio de transferência direta de conhecimento entre dois seres humanos.
Marisa - ham...
Fernando Goldman - ham... signifique que concorda ou não?
Marisa - professor e aluno não é uma transferencia direta?
Fernando Goldman - Normalmente não é nem uma transferência de conhecimento.
Marisa - Transferência direta seria ligar um cabo e descarregar informações? kkk
Fernando Goldman - Repare que você está misturando informação e conhecimento. Não há nenhum recurso, tal como um cabo, que permita ligar dois seres humanos e transferir diretamente conhecimento entre eles. Toda transferência de conhecimento é feita de forma indireta, com uma etapa intermediária de transferência de informações.
Marisa – Ok!
Fernando Goldman - Primeiro a pessoa ‘A’, de boa vontade, gera o máximo de informações que julga necessárias à execução do trabalho. A pessoa ‘B’ recebe estas informações e dependendo de seus modelos mentais, de sua percepção, enfim de seu conhecimento tácito, consegue, ou não, decodificar as informações recebidas e através delas construir seu próprio conhecimento. O conhecimentoi construido pela pessoa ‘B’ nunca será igual ao da pessoa ‘A’.
Marisa - Nisso concordo...porque cada uma delas tem o seu próprio conhecimento tácito.
Fernando Goldman - Normalmente, o conhecimento construido pela pessoa ‘B’, a partir de informações, pode não ser suficiente para que ela alcance a habilidade necessária à tarefa.
Pode ser e normalmente é necessário que a pessoa ‘A’ interaja com a pessoa ‘B’ o suficiente para ‘B’ observar como ‘A’ se comporta, como reage às situações de forma que seus modelos mentais se aproximem. É o velho processo de mestre-aprendiz.
Marisa - Estágio...
Fernando Goldman - Estágio pode ser uma etapa importante do processo de construção de conhecimento de um jovem profissional. Peter Senge dá um exemplo muito interessante de uma estudante de direito que frequentou a escola durante cinco anos, mas só depois de formada e trabalhando com outros advogados é que começa a se comportar como uma advogada.
Na faculdade de Engenharia eu tive a oportunidade de pegar um período de transiçãoem que metade dos professores eram antigos engenheiros e metade eram acadêmicos com doutorado, mas que nunca trabalharam. Foram os antigos engenheiros que mais contribuiram para eu entender o que é fazer Engenharia. Os ensinamentos dos outros, eu poderia ter lido em livros o que eles queriam ensinar.
Marisa - Entendi... pode-se então dizer que é na prática que a informação se torna conhecimento...
Fernando Goldman - Não. Ainda não é bem isso. Depois que a pessoa ‘B’ tiver construido conhecimento suficiente para atuar, ela vai aperfeiçoar este conhecimento no que é chamado por Nonaka, no âmbito organizacional, de Internalização, uma espécie de ‘learning by doing’, embora este termo tenha um significado mais abrangente entre os economistas. Esta pessoa ‘B’ vai construir um novo conhecimento, diferente do da pessoa ‘A’ e no futuro uma pessoa ‘C’ poderá aprender com a pessoa ‘A’, com a pessoa ‘B’ ou com as duas ao mesmo tempo.
Repare que eu estou te descrevendo um processo social. Um dos erros mais comuns é tentar fazer esta análise com se fosse um processo individual. São individuos construindo conhecimento individual dentro de um contexto social.
Marisa - É o que acontece natualmente nas faculdades hoje.
Fernando Goldman - ?
Marisa - Não é assim que se formam os profissionais? Com várias matérias direcionadas para um mesmo fim?
Fernando Goldman - Repare : a escola, faculdade ou universidade dá ao inviduo uma série de informações e até mesmo algumas habilidades específicas. Na linguagem leiga dizemos que um individuo vai à escola e obtém conhecimento.
Marisa - Mas na verdade ele tá recebendo informações...
Fernando Goldman - Na linguagem sócio-construtivista dizemos que um aluno vai à escola para obter informações e habilidades, que lhe possibilitarão construir seu conhecimento.
Eu e Marisa paramos por aqui, porque este papo leva horas na prática. Muito obrigado à Marisa pela paciência e pelas inteligentes perguntas.
Forte abraço
Fernando Goldman
Capes, CNPq e as jabuticabas
Há 9 anos