Diferentes autores vêm chamando atenção para o fato de que o uso, em diferentes línguas, da palavra “conhecimento”, por ser um substantivo, nos induz a pensar nele como uma coisa, que pode ser capturada, armazenada e distribuida. Ideal talvez fosse falarmos em “atos de conhecer”.
Muitos reconhecem que sendo o conhecimento um processo dinâmico e adaptativo, as coisas usualmente listadas como sendo os “conhecimentos” e até mesmo os “conhecimentos críticos”, não são nada mais, nada menos, do que os resíduos de diferentes processos de conhecimento.
Resíduos passíveis de serem reaproveitados em outros processos de conhecimento, mas que nunca devem ser confundidos com o ato de conhecer, em si, em constante construção.
Não podemos acreditar que o artefato, que é um resíduo do processo de conhecer, seja o próprio processo.
Imaginemos, por exemplo, que um sujeito A de tempos em tempos quebra a cabeça para resolver um determinado tipo de problema, que chamaremos de problema P, com as variáveis mudando em cada ocasião, mas a forma do problema P se mantendo.
Imagine que o tal sujeito A desenvolve o conhecimento para resolver o problema P em suas diferentes variantes e consegue explicitar este conhecimento a um ponto tal, que monta uma memória de cálculo, na qual basta se entrar com um conjunto de variáveis do problema P e obter sua resposta para cada determinada ocasião.
Esta memória de cálculo é o resíduo do raciocínio do Sujeito A para resolver o problema P várias vezes.
Se este sujeito A trabalha em uma empresa, ele pode deixar a memória de cálculo disponível a seus colegas de trabalho, para que aprendam a resolver aquele determinado problema, quando ele surgir novamente. A memória de cálculo se torna assim um artefato epistemológico daquela empresa.
Um dia o sujeito A sai da empresa. Um sujeito B é nomeado para resolver o problema P quando ele surgir.
Se o sujeito B se limitar a usar a memória de cálculo do sujeito A ( um artefacto) de forma mecânica, se limitando a dar entrada nas variáveis e obtendo a resposta, ele não terá o conhecimento para resolver o Problema P, mas sim o conhecimento para aplicar a memória de cálculo. A percepção desta diferença é muito importante.
Se no futuro as características do problema P se alterarem um pouco e o problema passar a ser P` – como mais cedo ou mais tarde acaba acontecendo – e o sujeito B tiver se limitado desenvolver apenas o conhecimento necessário a usar a memória de cálculo, este conhecimento não será suficiente para resolver o problema P`. Ele precisará raciocinar e desenvolver uma solução para o problema P`.
Em suma, a memória de cálculo (artefato) resolve o problema, mas não é o conhecimento. Acho que estas ideias estão plenamente alinhadas com as do Hutchins.
Forte abraço
Fernando Goldman
*Publicada originalmente no Grupo de Discussão KM4Dev Brazil, em 10.02.2012.
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