domingo, 14 de novembro de 2010

Quanto é preciso entender para conhecer?

Prezados

O leitor Ferdinand se mostra preocupado em distinguir “entender” e “conhecer”.

Eu sempre me pergunto se não seria válido voltarmos a discutir a definição de conhecimento e a importância de distinguir informação e conhecimento.

Diversos autores têm mostrado preocupação com os possíveis significados que os leigos possam atribuir ao termo conhecimento. Alguns preferem usar a linha de abordagem do Capital Intelectual, mas mais cedo ou mais tarde voltam a esbarrar na necessidade de entender o conhecimento.

A vantagem de termos uma teoria é que quando temos uma dúvida conceitual, podemos recorrer aos conceitos definidos na teoria.

A Teoria da Criação do Conhecimento Organizacional, na qual procuro sempre que possível me guiar, faz questão de diferenciar o conhecimento da informação.

O conhecimento, nesta teoria, é definido por três premissas:

1 – o conhecimento é uma crença justificada em uma verdade;

2 – o conhecimento é uma capacitação para ação eficaz e tomada de decisões; e

3- o conhecimento de um indivíduo se apresenta ao longo de um continuum entre tácito e explícito.

Alguns autores chamam atenção para o fato de que o uso da palavra "conhecimento" traz algumas complicações para o entendimento do que estamos lidando, pois - por se tratar de um substantivo – passa a imagem de uma coisa, alguma coisa que poderia ser armazenada, algo estático e a principal característica do conhecimento é justamente seu caráter dinâmico.

Talvez fosse mais conveniente falar de um “ato de conhecer”, constantemente em construção.

O ato de conhecer, como tenho chamado atenção, é simultaneamente uma construção individual e um produto social.

O ato de conhecer compreende o recebimento de informações pelo indivíduo e o ato de pensar, repensar, amadurecer, experimentar, tentar novas soluções, recombinar novas informações, experimentar diferentes graus de aprofundamento, viver novas experiências e assim por diante.

Conhecer não é simplesmente receber e armazenar informações. A simples posse de informações não garante a capacitação para ação eficaz. São as conexões entre as informações as quais dispõe que irão propiciar a ação eficaz do indivíduo. Tais conexões são tácitas.

A capacitação para ação eficaz e tomada de decisões, o ato de conhecer, não pressupõe, de forma alguma, o completo domínio de todas as informações necessárias à decisão ótima, o que seria impossível. Simon conceituou muito bem isso, quando diferenciou a racionalidade substantiva da racionalidade limitada.

Na linguagem comum muitas vezes nos confundimos, tendo dificuldades de escolher entre as palavras saber, conhecer, entender e as diversas variações possíveis.

Importante é entender que há inúmeros exemplos de indivíduos que mesmo sem conhecerem em detalhes a teoria sobre o assunto no qual trabalham, demonstram uma enorme capacitação de ação eficaz, fruto de crenças justificadas em algumas verdades. Tais verdades podem ao longo do tempo vir a se mostrarem inadequadas e começarem a não apresentarem bons resultados, fruto do surgimento de novos contextos. Há a necessidade de buscar novas verdades, que respondam adequadamente ao novo contexto. Há que se dosar reflexão e ação.

Voltando ao ponto de partida, o grau de entendimento (aprofundamento) que um indivíduo precisa ter das informações que recebe é função do quanto este entendimento lhe possibilitará ação eficaz e tomada de decisão.

Forte abraço

Fernando Goldman

6 comentários:

Ferdinand disse...

Fernando
Seu último parágrafo, mostra uma das dificuldades maiores da KM.
Como é que a administração vai saber o grau de entendimento necessário para um determinado assunto, que não faz parte da formação dela e só recebe relatórios gerenciais. Como administrar recursos de KM se não há nem tempo para conhecer as características de cada colaborador?
Abração
Ferdinand

Ferdinand disse...

Estou começando a reler os papers e artigos de KM, basicamente os do Nonaka. Numa segunda leitura normalmente emergem coisas que não ficam claras na primeira.
Nesta primeira leitura não fiquei satisfeito com o modelo SECI de transformação de conhecimento , nem com a espiral de criação de conhecimento. Falta captar o real significado desses processos (ou revalidar minhas pobres crenças).

A maior queixa que posso externar é que, apesar de mencionarem que o conhecimento é fenômeno individual, a criação de conhecimento pelo indivíduo não aparece no SECI. Imaginem o mundo sem os caras que fizeram toda a diferença ( Euclides, Euler,Galileu, Newton, Gauss, e etc..) Vão argumentar que se não fossem eles teríamos outros. Concordo, mas eles foram os primeiros que fizeram toda a diferença ( alguns nem foram os primeiros, persiste ainda muita controvérsia).
O próprio Nonaka aponta que a Canon fez ávido "plucking" em cérebros de outras empresas, para garantir o sucesso de seus processos.
Pessoalmente não concordo com o ditado "ninguém é insubstituível", pois já ví muitos programas simplesmente desandarem depois da saída de certos profissionais. Um exemplo gritante ( berrante!!) foi o da Apple quando da saída do "Jobs".
Fora isso, mais de uma vez ví referência em textos de administração que o subalterno oriental espera o sinal de seu superior para falar. Não deve ser o mesmo interrompido na complexa tarefa de pensar.
Não consegui encaixar o "pensar, individualmente" no modelo SECI.
Abraço
Ferdinand

Fernando Goldman disse...

Prezado Ferdinad

Como sempre acontece com seus comentários, há muito assunto a ser explorado neste aqui.

Primeiro de tudo, o Modelo SECI é apenas um dos elementos da Teoria da Criação do Conhecimento Organizacional. O objetivo dele é ser um modelo que ajude a entender a Criação do Conhecimento Organizacional.

De uma forma esquemática ele procura mostrar como uma organização cria conhecimento organizacional, ou seja, como o conhecimento criado por indivíduos - o conhecimento sempre é criado por indivíduos e só por indivíduos - é disponibilizado e amplificado, sendo integrado ao sistema de conhecimento da organização.

Sao os diferentes indivíduos que atuam em todas diferentes fases do processo de criação do conhecimento organizacional que fazem os diferentes processos de conversão.

Não há alguma coisa tal como criação automática de conhecimento ( sem seres humanos).

Por outro lado, indivíduos, por mais geniais que sejam, só conseguem participar do processo de criação de conhecimento organização quando estão integrados em algum tipo de organização. Pode ser econômica, científica, religiosa, social, militar etc.

Forte abraço

Fernando Goldman

Ferdinand disse...

Fernando
Para o modelo do Nonaka fazer algum sentido para mim, deveria ter sua aplicação melhor "delimitada". Talvez faça sentido para o MacDonalds, Wal-Mart etc..e assim mesmo para o pessoal com atividades rotineiras. Pelo que vemos na palestra do Jason Fried, o maior empecilho no Knowledge Work é o fator M&M (managers and meetings). E a receita dele, é i)provide long stretches of uninterrupted time;ii)change from active (f2f)to passive communication ( e-mail); iii)cancel the meetings! Caso isso faça sentido, conhecimento não pode ser conceituado pelo modelo do Nonaka. Pois não prescinde de comunicação f2f, nem interação social. Trabalhador do conhecimento precisa é de tempo e espaço para imaginar, pensar, e fazer com isso emergir o resultado!
Forte abraço

Ferdinand disse...

Fernando
Nesta linha de raciocínio, precisamos definir quem é o nosso trabalhador do conhecimento. Cheguei a curtir a ilusão de que participava deste grupo seleto. Reconsiderando, vejo hoje pelas amarras que nos são impostas, que realmente não passava de ilusão.
Abraço
Ferdinand

Ferdinand disse...

Fernando
Voltando ao título deste post "Quanto é preciso entender para conhecer?" Acabamos desviando do foco do mundo 3 do Popper.
Do ponto de vista organizacional, é claro que não se precisa de saber ( basta conhecer que ela existe e saber de suas limitações) toda a teoria subjacente para se utilizar conhecimento. Exemplificando: não precisas conhecer mais que o básico para instalar uma bomba de água para bombear do poço para a caixa dágua de sua casa de campo. Mas se recebeste a incumbência de acabar com o risco de "waterhammer" na adutora de tua cidade, o conhecimento básico não é suficiente.
Logo o conhecimento mínimo para desempenhar bem uma tarefa existe. Aí que mora o perigo. O empregado que não sabe que não sabe, comandado por alguém que naquele assunto sabe menos ainda.
Já ví coordenador reclamando que empregado quer treinamento demais! E tens que ficar calado, no máximo resmungar e engolir em seco que nem o Galileu!
Forte abraço
Ferdinand