quarta-feira, 10 de novembro de 2010

KM só faz sentido se for entendida como um metaprocesso

Prezados

Atendendo ao Ferdinand, que no momento é praticamente o único leitor deste blog que apresenta comentários, esta postagem será sobre o que quero dizer quando afirmo que: KM só faz sentido se for entendida como um metaprocesso.

A maioria das abordagens de KM atualmente em uso ainda são realmente baseadas em sistemas de gerenciamento de informações, capazes de lidar apenas com o conhecimento já explicitado, envolvendo,quando muito, uma simples correção de práticas alinhadas com as estruturas de conhecimento já institucionalizadas na empresa.

Na maioria das empresas, KM limita-se à gestão do que "a empresa sabe que sabe", ficando restrita a explicitação e disseminação das melhores práticas, lições aprendidas e experiências já consolidadas. Isso ignora os aspectos mais instigantes e desafiadores da Construção do Conhecimento como fator de produção e o mais importante elemento de criação de valor na Sociedade pós-industrial.

Dessa forma, a KM é, em muitos casos, confundida com Gerenciamento de Projetos, Gestão de Recursos Humanos, Educação Corporativa etc. – não conseguindo deles se diferenciar e por isso mesmo não se justificando, ou seja, não se sustentando. Em suma, vista como um processo que lida diretamente com o conhecimento, a KM se confundiria com os processos operacionais. Em outras palavras, a ideia de que KM processa o conhecimento é em si própria um absurdo, que na prática não se sustenta.

Entendida como um processo que lida com o conhecimento, a KM seria uma ação longitudinal, criando processos paralelos e até mesmo concorrentes com os processos operacionais, onde realmente é produzido o conhecimento que garante a sustentabilidade da empresa. Onde atuam tanto os gerentes médios como também os conhecedores no seu dia-a-dia.

A KM só faria sentido como uma ação transversal, não concorrendo de forma alguma com os conhecedores, surgindo neste cenário como um método (não uma metodologia padronizada como muitos gostariam), pois o conhecimento organizacional é um ativo específico de cada empresa.

Dessa forma, a KM deve trazer consigo uma proposta inovadora, principalmente no sentido de destacar a importância de ser um processo de reflexão crítica sobre outros processos, devendo assim ser entendida como um metaprocesso, haja visto que não tem como seu objeto (insumo) nem o conhecimento dos individuos, nem o conhecimento organizacional deles resultante, mas, sim, os programas, políticas e processos que os influenciam.

Isso não deveria diminuir a importância de um outro papel da KM, que através de Gestão da Informação também atua em processos operacionais, possibilitando gerenciar o que a empresa sabe sobre si, sua organização, seus processos e seu ambiente de negócios. Este outro papel é o componente básico para a melhoria contínua. Como é sabido: não se faz KM sem uma adequada Gestão de Informações.

Além disso, KM deve assegurar que os programas, políticas e processos que influenciam o conhecimento organizacional garantam grande importância para a comunicação e o fluxo contínuo de informações, permitindo a interação e a cooperação entre pessoas e equipes nos processos operacionais, alavancadores da construção social do conhecimento.

Deve ser observado que o foco da KM não deve ser no desenvolvimento de sistemas ou em soluções de Tecnologia da Informação, mas em aspectos cognitivos da organização da empresa, como no caso de Comunidades de Prática (CoP), que quando aplicadas apenas como simples ferramentas de comunicação costumam fracassar.

Também é importante ressaltar que não se deve esperar dos sistemas de TI vantagens competitivas sustentáveis, porque, como Hamel e Breen (2007: 29) observaram: "... os avanços em hardware e software são difundidos rapidamente, caracterizando as vantagens com base na Tecnologia da Informação como notoriamente difíceis de proteger ". Em outras palavras, ferramentas de TI, mais cedo ou mais tarde estarão disponíveis a todos. Já os aspectos cognitivos são muito mais difíceis de imitar.

Outro aspecto que não deve ser negligenciado é que obter uma grande quantidade de informação nem sempre é a dificuldade mais significativa, mas, sim, lidar com a obsolescência diária dos conteúdos. Tal obsolescência só seria notada por uma análise cuidadosa feita por agentes humanos que têm conhecimento sobre os assuntos relevantes, jamais podendo ser automatizada.

De acordo com Firestone e McElroy (2005), KM deveria ser a atividade cujo objetivo é a melhoria do atual modelo dos Processos de Conhecimento de uma organização e dos seus resultados. O objeto da KM seria o estudo de tais atividades e seu impacto sobre os processos de conhecimento influenciariam indiretamente os processos operacionais.

Assim, é muito importante destacar a ideia de que a KM não gerencia, cria ou integra o conhecimento ou os resultados de uma organização diretamente. KM só deveria ter impacto sobre programas, políticas e processos de conhecimento. Esses programas, políticas e processos cumprem os seus objetivos através dos agentes envolvidos nos processos operacionais, que efetivamente alcançam os objetivos buscados ou mesmo os emergentes , como propõ
e Mintzberg.

Portanto, KM só faz sentido como um metaprocesso, que através de programas, políticas e processos “lida” com um ativo intangível, o Conhecimento Organizacional. KM funciona como um conjunto de ações e práticas de apoio através das quais a organização gerencia as circunstâncias adequadas para prosperarem e melhorarem seus programas, políticas e processos de conhecimento, identificando os fluxos de conhecimento fundamentais para a sua sustentabilidade, propiciando as capacitações dinâmicas necessárias às adaptações (aprendizagem), objetivando sua longevidade.

Voltando ao exemplo da postagem anterior. A política de Recursos Humanos da empresa, ou qualquer nome que ela tenha, define uma série de aspectos que influenciam o conhecimento organizacional. A KM deveria, se corretamente estruturada, ser capaz de contribuir para o aperfeiçoamento da política de Recursos Humanos da empresa, de modo a aprimorar a emergência de seu conhecimento organizacional.

Forte abraço

Fernando Goldman

8 comentários:

Ferdinand disse...

Agora, começa a emergir uma noção ( tácita) do que é "KM" e o que é um "metaprocesso".
Este texto ficou muito bem explicado.
Aposto que outros leitores também estão aplaudindo.
Parabéns!
Forte abraço
Ferdinand

Ferdinand disse...

Por uma notícia de Catarina Alencastro no Globo de hoje vemos que o Brasil é o 13° país em produção científica no mundo. Beleza, deve pensar a turma do "pudê", não investimos quase nada (1,1% do PIB)e ainda chegamos em 13 lugar, fenômeno nunca antes visto. Consta que conseguimos o reconhecimento de apenas 109 patentes em 2009 contra 679 da India. Não estamos fazendo uma KM decente no país. Nossos melhores cérebros encontram oportunidades melhores alhures. Alguém se arrisca a dar alguma sugestão para mudar esta situação.
Abraço
Ferdinand

Ferdinand disse...

Navegando nos papers que conseguí sobre KM, emerge a noção que esquecem de considerar várias dimensões humanas, como vontade, confiança, interesse próprio, egoísmo, todas as modificações de caráter em função de dinheiro e poder, crenças religiosas, e porque não maldades, ódios, loucuras, etc....
Fala se hoje em pirataria, e ontem? Lembram que o Japão não respeitava nenhuma patente, copiava tudo de todos. Mas no fundo era o plano Marshall, a força maior era o dinheiro externo.
Tem algum estudo incluíndo alguma destas dimensões?
Abração
Ferdinand

Fernando Goldman disse...

Prezado Ferdinand

Há uma série de ideias que se alinham à Gestão do Conhecimento Organizacional. São ideias relacionadas aos ativos intangíveis, dos quais os ativos do conhecimento são apenas parte.
Um ativo intangível que também afeta alguns dos fatores citados por você seria a confiança.
Eu te recomenaria os trabalhos dos professores da Fundação Dom Cabral: Macos Túlio Zanini e Carmen Migueles.

Como ponto de partida, acesse http://www.fdc.org.br/pt/saladoconhecimento/Paginas/Livros.aspx

Forte abraço

Fernando Goldman

Ferdinand disse...

Fernando
Em teu material ainda não encontrei a conceituação / distinção entre entender e conhecer. Bem verdade que ainda não revirei tudo.
Um exemplo claro é: podes conhecer uma norma / procedimento / lei, mas não entendes os fenômenos a que se refere. Conhecemos muitas relações numéricas mas não entendemos ( nós e os que surfam na crista do conhecimento) as razões subjacentes, como a da gravidade por exemplo. Ja sei que vais usar a distinção entre crença e verdade/ realidade, mas isto não ajuda muito. Desconfio que o único campo onde se pode afirmar que nossas crenças foram se aproximando da dita realidade é nas ciências exatas.
Vão argumentar que não precisas saber como funciona o motor para conduzir um automóvel. Respondo, mas se sabes, ajuda quando há um problema com o motor, ou evitas ter um problema pois sabes o que podes e o que não podes fazer ao operar o mesmo. Olha só que curioso: há meio século quando os automóveis eram muito mais simples e propensos a falhas, se não entendias de mecânica de automóvel muitas vezes ficavas à pé. Era comum vermos muitos carros enguiçados, os que não entendiam tinham que pedir ajuda. Com os modelos de hoje, não há nada a fazer. A não ser que sejas um especialista e estejas de posse de sofisticados equipamentos, nem perca se tempo abrindo o "capot". A vantajem de agora é que enguiçam com muito menos frequência.
Temos aí uma nuância, que desconfio que seja da mesma natureza de "correlação" e "causa e efeito".
Abração
Ferdinand

Ferdinand disse...

Fernando
Acabo de rever duas palestras no TED que acho que qualquer pessoa minimamente interessada em KM deveria ver: "Tom Chatfield - 7 ways games reward the brain" e "Eric Berlow - How complexity leads to simplicity". Aprendizado e conhecimento podem ser influenciados mais fácilmente se utilizarmos o conhecimento que emerge dos games. E a complexidade se rende mais fácilmente se temos acesso às ferramentas já disponíveis.
Abração
Ferdinand

Ferdinand disse...

Hoje, depois de muito pensar/imaginar arrisco a definição de "conhecimento": Conhecimento é a posse individual em nosso cérebro de modelo mental com suficiente granulação, que nos permite comprovadamente fazer previsões acertadas do "objeto" de nosso conhecimento.

Aí temos incluso:
Conhecimento é pensamento, imaginação. Logo, modelo. Pois é recriado em nosso cérebro. É mapa. Não é território.

A "realidade" é inescrutável.

Construimos apenas percepções dela.
O modelo que criamos depende do grau de granulação da observação que estamos fazendo. Em nossa escala habitual os modelos que funcionam são os que conhecemos. Na escala/ granulação dos insetos é completamente diferente, na sub-atômica um completo novo universo.

Aí temos também que: aprender é construir modelos. E , para que estejam disponíveis, recriá-los em nossa memória.

KM poderia ser conceituada como a arte de propiciar "o emergir" de modelos eficazes nas mentes dos colaboradores.

Conceito análogo seria a jardinagem: As plantas não obedecem às ordens do jardineiro. Ele apenas propicia as condições para que haja germinação e crescimento.

Abraço
Ferdinand

Fernando Goldman disse...

Prezado Ferdinand

Quando você se mostra preocupado em distinguir entender e conhecer, eu me pergunto se não seria válido voltarmos a discutir nossa definição de conhecimento e a importância de distinguir informação e conhecimento.

Este será o tema de minha próxima postagem.

Forte abraço

Fernando Goldman