Prezados
Segue uma das seções do artigo O PAPEL DA AMBIDESTRIA ORGANIZACIONAL E DA PROPRIEDADE INTELECTUAL NA INOVAÇÃO ( Título provisório), em fase de conclusão, que gostaria de compartilhar com vocês e receber críticas.
Forte abraço
Fernando Goldman
Conhecimento Tácito X Explícito
Um dos pontos mais interessantes nas discussões sobre o que é Gestão do Conhecimento Organizacional (GCO), diz respeito a certo equívoco quanto à idéia de “conversão” do conhecimento tácito em conhecimento explícito.
Nonaka e Takeuchi (1995) propuseram que a criação do Conhecimento Organizacional se dá pela contínua conversão de conhecimentos tácitos em conhecimentos explicítos, o que não significa necessariamente gerar conteúdos e armazená-los. Tal conversão, na verdade, se dá nos diferentes níveis ontológicos – indivíduo, grupo e organização – conforme mostrado no chamado modelo SECI.
No entanto, muitos interpretaram e ainda interpretam que fazer a GCO consistiria simplesmente em “explicitar o conhecimento tácito dos conhecedores”, o que por si só é claramente um equívoco conceitual, que desconsidera a dimensão ontológica do modelo SECI.
Talvez porque pareça mais plausível gerir o que está explicitado, não são difíceis de encontrar definições que remetem à idéia de que o papel da GCO seria possibilitar a uma empresa a conversão do conhecimento tácito de seus colaboradores em conhecimento explícito. Na verdade, muitas ações bem intencionadas de GCO se prendem a esta busca de “explicitar conhecimentos tácitos”, na crença de que desta forma estaria se colaborando para a competitividade da empresa.
Assim, é oportuno tentar entender a verdadeira dimensão do erro conceitual por trás da ideia de se buscar toda a possível explicitação de conhecimento.
Entre os economistas, os evolucionistas ou neo-schumpeterianos são reconhecidos como tendo a mais bem articulada e consistente tentativa de construir um novo corpo teórico para estudar a firma, entendida aqui como sinônimo de empresa (Tigre, 1998, p. 97).
Para os evolucionistas, um dos fatores fundamentais para o desenvolvimento da firma e sua capacidade de responder às mudanças em seu ambiente é a aprendizagem, aliada à formação de rotinas organizacionais.
A aprendizagem pode ser definida como “um processo no qual a repetição e a experimentação fazem com que, ao longo do tempo, as tarefas sejam efetuadas de forma mais rápida e melhor e as novas oportunidades operacionais sejam efetivamente experimentadas” (CORIAT; WEINSTEIN, 1995 apud TIGRE, 1998, p.99).
Cuidado especial deve ser dado aqui a não se cair na armadilha de entender a palavra “rotina” em seu sentido menos nobre, sendo muito importante também diferenciar as rotinas estáticas, que consistem na simples repetição das práticas anteriores, das rotinas dinâmicas (de melhoria e de evolução), aquelas que permitem incorporar novos conhecimentos.
Ainda segundo Tigre (1998, p. 99), no âmbito da firma, a aprendizagem é cumulativa e coletiva, dependendo fundamentalmente das rotinas organizacionais, as quais constituem o fator determinante do comportamento das empresas.
Por outro lado, as rotinas organizacionais, tanto as codificadas como as tácitas, constituem o sistema de conhecimento da organização. Retornando a Tigre (1998, p.99), as rotinas, uma vez estabelecidas, substituem a necessidade de coordenação hierárquica rígida, permitindo a coerência das decisões por indivíduos que conhecem seu trabalho, interpretam e respondem corretamente as mensagens que recebem.
Apesar de toda ênfase observada em explicitar o conhecimento, tornando-o disponível à empresa, é importante se compreender que todo conhecimento – entendido como capacidade de ação eficaz – deve sempre ser diferenciado da informação, por mais sofisticada que ela seja, por ser uma capacitação individual, uma construção humana, pessoal, intangível e biograficamente determinada. O conhecimento, como já foi dito, é parte tácito e parte codificável (explícitável) ao longo de um “continuum (GRANT, 2007).
O conhecimento predominantemente explícito, possível de ser codificado, em especial podendo ser comunicado, comumente referido genericamente como conhecimento explícito, quando transmitido a outros seres humanos, nas diferentes formas possíveis de informação, propicia a cada indivíduo a criação de seu próprio conhecimento, desde que provido o contexto adequado.
O conhecimento tácito, por definição, aquele de explicitação impossível, não deve ser confundido, de forma alguma, com o ainda não explicitado, mas passível de ser codificado, que, para se diferenciar do tácito, vem sendo denominado como conhecimento implícito.
Os conhecimentos tácitos, compartilhados no ambiente organizacional — não codificáveis e portanto mais difíceis de serem apropriados e transferidos — e os implícitos — ainda não codificados — constituem ativos intangíveis específicos da firma, constituindo a principal base da criação de vantagens competitivas de uma empresa, desde que a mesma tenha políticas e processos adequados a lidar com eles.
Hoje há um reconhecimento crescente de que muito conhecimento passível de ser explicitado, não precisa ou não deve sê-lo e que o foco em explicitar conhecimento produzindo conteúdos, se não adequadamente dosado, pode mesmo diminuir valor deste conhecimento para a criação de vantagens competitivas. Em muitos casos, os conteúdos gerados se mostram de pouca utilidade prática, quando carecem do contexto necessário para criação de conhecimento.
Vê-se assim que a solução de imaginar a GCO como uma atividade direcionada a converter os conhecimentos implícitos de uma empresa em conhecimentos explícitos poderia na verdade estar diminuindo a capacitação daquela empresa para gerar vantagens competitivas e até mesmo cooperativas, afastando-a do objetivo de aumentar sua competitividade.
Resumindo, a simplória ideia de tornar os conhecimentos existentes em uma empresa disponíveis, tanto quanto possível, desconsidera o importante fato de que “tudo aquilo que pode ser adquirido por qualquer um, em um mercado em livre concorrência, não é capaz de gerar, por si só, vantagens competitivas para nenhum dos participantes desse mercado” (ÁVILA, 2002).
Mesmo que inicialmente seja no âmbito de uma empresa, é exatamente isto que buscam os “explicitadores de conhecimento”: tornar o conhecimento disponível a todos.
Por mais que pareça óbvio, não custa repetir que o conhecimento que cria vantagens competitivas não está disponível em apostilas, sejam elas entregues em papel ou em sofisticados meios digitais.
Segundo Teece (2000), a verdadeira economia do conhecimento se caracterizada pela capacitação de gerar valor a partir das imperfeições do mercado de conhecimento. Isto não é efetivamente alcançado por empresas com enormes conjuntos de informações, comumente denominados “repositórios de conhecimentos”, obtidas de conhecimentos codificados a partir de sucessos passados, mas sim por empresas criadoras de Conhecimento Organizacional, com características de comunidades, que sabem lidar com seus conhecimentos tácitos e que inovam naturalmente.