sábado, 30 de dezembro de 2017

The Invisible Hook (1ª parte): Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado

Esta tradução faz parte do meu projeto pessoal de antropofagia* de boas ideias escritas originalmente em inglês. Enquanto os periódicos acadêmicos nacionais se dedicam à publicação de textos inéditos de autores nacionais, há uma lacuna na formação de nossos estudantes de graduação que, em sua maioria, não dominam a leitura de textos especializados em inglês e ficam assim sem acesso a ideias seminais. Claro que ideal seria ensinar inglês a todos nossos estudantes, mas a realidade é que não temos tido sucesso nem mesmo em ensinar o português. Esta tradução foi autorizada diretamente pelo autor do texto original para publicação neste Blog. Críticas, comentários e sugestões sobre a tradução serão bem-vindos.

* Conheça o Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, 1928, em https://pib.socioambiental.org/files/manifesto_antropofago.pdf
Devido às limitações do Blog, a tradução será publicada em partes.
The Invisible Hook: Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado[1] (1ª parte)
Os bandos de piratas são radicalmente democráticos e igualitários: Hayek e o imperativo evolucionário.
Tradução: Fernando Luiz Goldman

Recentemente, participei de um seminário intitulado "Tensões no Projeto de Economia Política de F. A. Hayek" (“Tensions in the Political Economy Project of F. A. Hayek”). O economista austríaco Friedrich Hayek (1899-1992) é um guru liberal e o seminário foi organizado pelo Mercatus Center da Universidade George Mason, uma Meca para o pensamento liberal moderno. No entanto, eu sabia estar em um seminário cujos organizadores e participantes não eram ideólogos da "ganância é boa". Eles são hábeis em distinguir entre uma versão "vulgar" e uma "sofisticada" do liberalismo e a carreira de Hayek, que durou sete décadas, oferece amplo espaço para essas nuances. O título do seminário indicava-me que os organizadores estavam dispostos a questionar sua própria visão de mundo.
Enquanto estava no seminário, eu vi uma cópia de um livro intitulado “The Invisible Hook[2]: The Hidden Economies of Pirates”, de Peter T. Leeson, que é Professor de Economia e Direito na Universidade George Mason. Leeson tem um dom para explicar Economia para uma audiência geral e seu mais novo livro, “WTF?! A Economic Tour of the Weird”, é descrito como "Freakonomia em esteróides" pelo autor do livro “Freakonomics”, Steven Levitt[3]. Todos os três livros citados utilizam a Economia como uma grande estrutura explicativa, cujo escopo se estende muito além dos tópicos tipicamente associados à palavra “Economia”.
Eu já sabia algo sobre as sociedades piratas como extraordinariamente igualitárias. Como se comportavam entre si era completamente diferente da forma como se comportavam em relação às suas vítimas. Também pensava que uma grande estrutura explicativa (framework) poderia explicar esse paradoxo, mas para mim esse quadro era a teoria evolucionária e não a teoria econômica.
Claro que essas duas perspectivas não precisam ser incompatíveis. A Economia veio antes da Evolução como um campo de pesquisa e seus pioneiros, como Thomas Malthus e Adam Smith, influenciaram fortemente Charles Darwin e outros pioneiros do pensamento evolucionário. Ambas exigem uma concepção da natureza humana e sociedade, a fim de obter mais resultados técnicos. Embora a teoria evolucionária[4] seja mais nova, é mais geral do que a teoria econômica. Se as concepções econômicas da natureza humana e sociedade não podem ser enquadradas com os princípios básicos da evolução, então é a teoria econômica que deve mudar. No entanto, se tomarmos o ano de 1859 como o ponto de partida para a teoria evolucionária moderna, tivemos mais de um século e meio para alinhar as duas teorias.
Mas não é - não totalmente, pelo menos - por isso que eu era um dos únicos oito participantes convidados a escrever artigos para o seminário em questão. Hayek foi pioneiro no conceito de sistemas econômicos como produtos de seleção cultural de grupos. Essa é a minha área de especialização e enquanto admiro Hayek por sua originalidade e muitos dos seus conhecimentos, também sei que é necessária uma atualização séria. A versão vulgar do liberalismo não pode ser justificada com base no que Hayek escreveu e a versão sofisticada deve trazer o que Hayek escreveu em alinhamento com o melhor dos nossos conhecimentos atuais de seleção cultural de vários níveis.
Para continuação, clique aqui e leia a 2ª parte



[1] O artigo foi originalmente escrito na 1ª pessoa do singular.
[2] O título “The Invisible Hook”, em português “O Gancho Invisível, é uma alusão à “mão invisível do mercado”, termo introduzido por Adam Smith em A Riqueza das Nações. O livro é de não ficção, mostrando como o moderno conceito econômico de interesse mútuo motivou os piratas a formarem sociedades cooperativas e democráticas, que precederam as origens da democracia moderna. (nota do tradutor)
[3] O livro Freakonomics de 2005 tem o subtítulo “o lado oculto e inesperado de tudo o que nos afeta”. (nota do tradutor)
[4] A abordagem neoschumpeteriana da Economia tem inspiração biológica no conceito mais amplo de Sistemas Evolucionários, nos quais seria possível identificar nos comportamentos de seus agentes: a. os elementos de permanência ou hereditariedade; b. um princípio de variações ou mutações; e c. os mecanismos de seleção. (nota do tradutor)

sábado, 11 de novembro de 2017

Uma verdade mais incoveniente

Amigos

O Greenpeace e outros parceiros ligados ao meio ambiente realizaram no dia 08/11/2017 uma sessão especial de lançamento do filme "Uma verdade mais incoveniente", à qual eu tive a oportunidas e o prazer de assistir.

O objetivo é promover uma mudança de atitudes, desde a educação primária à reeducação dos adultos, atrelada às perguntas: "Quantas catástrofes mais devem acontecer para que a sociedade acorde para essa realidade? Teremos tempo suficiente para esperar tal conscientização social? "

Recomendo fortemente a todos que não percam a oportunidade de assistir este belíssimo e preocupante documentário e que se engagem na campanha de valorização do selo "energia 100% renovável".

Forte abraço

Fernando Goldman

quinta-feira, 6 de abril de 2017

A arte da acusação invertida


Prezados

Ao compartilhar um artigo sobre os "pobres de direita", um amigo acusou-me de estar fomentando idéias do século 19. Trata-se da muito conhecida "arte da acusação invertida", bastante praticada por extremistas, sejam de direita ou de esquerda.

As reformas que vêm sendo propostas pelo grupo que assumiu o governo estão alinhadas com um modelo que pretende minar a soberania do Brasil, como já foi feito diversos outras vezes.

Este modelo prevê a perda de algumas importantes conquistas de um frágil estado de bem estar social, sem contrapartidas palpáveis, com o consequente esvaziamento da classe média, eliminando um dos maiores trunfos de um pais de dimensões continentais - que seria um excepcional mercado interno.
 
Ao gerar uma sociedade pobre, periférica e não inclusiva, incapaz de romper o ciclo vicioso da desigualdade social e que mais parece uma caricatura da sociedade americana (USA), o modelo afasta a população brasileira em geral do pleno aproveitamento das potencialidades naturais que este país tem. É a perpetuação desse modelo, proposto por uma classe dominante mesquinha e retrógrada, que irá nos manter no século 19, tentando chegar ao século 20, a despeito de já estarmos no século 21.

Forte abraço

Fernando Goldman

Obs.: Publicado orifinalmente no Facebook.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Ser de direita ou de esquerda na Sociedade do Conhecimento


Eu me confesso confuso lendo alguns dos meus pares no Facebook. Ora me dizem que a distinção entre esquerda e direita acabou, ora me dizem que não existe mais distinção entre ricos e pobres, neste novo século (já nem tão novo assim), nesta nova sociedade digital que se configura. E eu, que penso na opção pela esquerda como uma forma de promover a diminuição da desigualdade social (para mim o problema fundamental do Brasil – a partir dele todos os outros se resolveriam) e consequentemente diminuir o hiato entre ricos e pobres, promovendo uma sociedade melhor - não utópica, mas certamente - menos violenta, fico me perguntando se eu perdi alguma coisa.

É claro que com a queda do Muro de Berlim, aliada ao apogeu do neoliberalismo, não sobrou muito espaço para as experiências de abolição da propriedade privada dos meios de produção, nem para a instalação de um estado forte (“ditadura do proletariado”). Graças a Deus! Assim, nem pensar em planejamento centralizado, capaz de eliminar as falhas de mercado, típicas do capitalismo, responsáveis pelas distorções no equilíbrio demanda-produção, que dão margem à especulação e consequente acumulação de renda nas mãos de uns poucos, sempre em detrimento dos mais pobres.
 
Aliás, essa história de planejamento centralizado não deu certo até hoje e Hayek, em 1945, já sabia que o problema era de conhecimento.   

Assim, se para você, uma pessoa se declarar de esquerda, ou de direita, é apenas adotar, ou não, a teoria marxista elaborada no século XIX, em que comunismo e socialismo seriam duas etapas sucessivas no desenvolvimento da sociedade humana, ocorrendo após o colapso do sistema capitalista, a má, ou a boa, notícia, é que o capitalismo ainda não colapsou, enquanto os regimes totalitários que se diziam comunistas... . Se para você “ser de esquerda” era só isso, realmente, não há muito espaço político, no mundo de hoje para você, sendo talvez mais fácil imaginar que não há mais distinção entre esquerda e direita.

Porém, ser de direita ou de esquerda traduz uma tendência ideológica. Se o capitalismo não colapsou, se a destruição criativa ainda tem forças para se auto alimentar, podemos, pelo menos, discutir que tipo de capitalismo queremos. O mais radical, do tipo “o vencedor leva tudo”, ou alguma das variações de capitalismo disponíveis por aí, ou até quem sabe uma invenção tupiniquim, capaz de acomodar esse caldeirão que é o Brasil. O fato é que mesmo sem o fantasma do socialismo/comunismo no horizonte, há muito espaço para mudanças sociais através do voto, preservando a democracia. E nunca é demais lembrar que os partidos que se dizem de esquerda hoje no Brasil, e mesmo os ditos sociais, não nos representam.

Vale a pena ainda lembrar que para Hayek , o principal argumento que privilegiava uma Economia de Mercado em relação a uma Economia Centralmente Planejada é justamente o fato de que o conhecimento necessário às decisões centralizadas estaria disperso entre muitas pessoas. Nas palavras dele “O problema prático, no entanto, surge precisamente porque esses fatos [os necessários ao planejamento centralizado] nunca são, assim, dados a uma única mente e porque, em consequência, é necessário que na solução do problema o conhecimento, que deve ser usado, está disperso entre muitas pessoas” (HAYEK, 1945).

De 1945 para cá muita coisa mudou. Muito, em parte, pelas contribuições do próprio Hayek, porém os desenvolvimentos esperados das Tecnologias da Informação e das Comunicações - tais como "machine learning", "causal inference", "Internet das Coisas (IoT)" e o imenso volume de dados, estruturados e não estruturados, conhecidos como "Big Data" - trarão novos elementos a essa discussão.
 
Forte abraço
 
Fernando Goldman
 
HAYEK, F. A. The use of knowledge in society. American Economic Review. v. 35, n.4,
p. 519-530, set. 1945.